E cresceu e fortaleceu-se, como há-de forçosamente acontecer ao rapaz que não sabe que está a aprender lições e que não tem no mundo em que pensar senão no que há-de comer.
Mãe Loba disse-lhe, uma ou duas vezes, que Xer Cane não era animal em quem se confiasse e um dia teria de o matar; mas, conquanto um lobo jovem se lembrasse desse conselho a todos os momentos, Máugli esqueceu-se, porque não passava de rapaz, embora se tivesse chamado lobo e pudesse falar a língua humana.
Xer Cane andava sempre a cruzar-se com ele na Selva, porque, à medida que Àquêlà envelhecia e enfraquecia, o tigre coxo fizera-se muito amigo dos lobos mais novos da alcateia, que o seguiam com o cheiro em restos, coisa em que Áquêlà nunca consentiria se ousasse estender a sua autoridade aos devidos limites Xer Cane lisonjeava-os então e admirava-se de que caçadores tão excelentes se contentassem em ser dirigidos por um lobo moribundo e um cachorro de homem.
- Dizem-me - costumava afirmar Xer Cane - que no Conselho da Alcateia não ousais fixá-lo nos olhos. - E os jovens lobos punham-se a rosnar e eriçavam o pêlo.
Bàguirà, a quem nada escapava, sabia disto, e uma ou duas vezes disse a Máugli, sem rodeios, que Xer Cane havia um dia de matá-lo. E Máugli ria-se e respondia:
- Tenho a alcateia e tenho-te a ti; e Bálu, embora indolente, seria capaz de dar um ou dois socos por mim. Porque hei-de eu ter medo?
Foi num dia muito quente que Bàguirà teve uma nova ideia, por uma coisa que ouvira. Talvez Iqui, o porco-espinho, lhe tivesse dito; mas ela disse a Máugli, quando se tinham entranhado na Selva, enquanto o rapaz repousava com a cabeça sobre a sua linda pele negra:
- Irmãozinho, quantas vezes te disse já que Xer Cane te quer mal?
- Tantas vezes como frutos tem aquela palmeira respondeu Máugli, que, naturalmente, não sabia contar.