- Mais de uma vez ouvi já falar de casos desses, mas nunca na nossa alcateia ou em minha vida - disse Pai Lobo. - Não tem um só cabelo na pele e eu podia matá-lo com uma leve patada, Mas repara como nos olha, sem medo algum.
Nisto, faltou o luar à entrada do covil, obstruído pela grande cabeça quadrada e largos ombros de Xer Cane. Tábàqui chiava atrás dele:
- Meu senhor, meu senhor, foi aqui que ele entrou!
- Xer Cane dá-nos grande honra - disse Pai Lobo. Mas tinha os olhos cheios de cólera. - Que deseja Xer Cane?
- A minha presa. Um cachorro de homem entrou para aqui - disse Xer Cane. - Os pais fugiram. Dai-mo.
Xer Cane atirara-se à fogueira de um lenhador, como Pai Lobo dissera, e estava furioso com a dor das queimaduras das patas. Mas Pai Lobo sabia que a entrada do covil era estreita de mais para dar passagem a um tigre. No sítio onde estava, Xer Cane tinha os ombros e as patas dianteiras encolhidos por falta de espaço, como um homem os teria se tentasse bater-se dentro de uma barrica.
- Os lobos são um povo livre - disse Pai Lobo. - Recebem ordens do chefe da alcateia e não de qualquer matador de gado, às riscas. O cachorro de homem é nosso, para o matarmos se quisermos.
- Se quisermos? Quem fala aí em querer? Pelo touro que abati, terei de estar de nariz metido neste canil à espera do que me é devido? Sou eu, Xer Cane, quem fala!
O rugido do tigre encheu o covil como um trovão. Mãe Loba sacudiu de si os lobitos e avançou de um salto, com olhos que no escuro lembravam duas luas verdes, a desafiar o olhar chamejante de Xer Cane.