Amor de Perdição - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 110 / 145

A primeira ideia pareceu-lhe a melhor. Chegou ao ralo, e disse:

– Ó senhora freira!

– Que quer vossemecê? – disse a prelada.

– A senhora faz favor de dizer à senhora D. Teresinha de Viseu que está aqui o pai daquela rapariga da aldeia, que ela sabe?

– E quem é vossemecê?

– Sou o pai da tal rapariga que ela sabe.

– Já sei! – exclamou de dentro a voz de Teresa, correndo ao locutório. A prelada retirou-se a um lado, e disse:

– Vê lá o que fazes, minha filha…

– A sua filha escreveu-me? – disse Teresa a João da Cruz.

– Sim, senhora, aqui está a carta.

E depositou na roda a carta, em que a abadessa reparou, e disse, sorrindo:

– Muito engenhoso é o amor, Teresinha… Permita Deus que as notícias da rapariga da aldeia te alegrem o coração; mas olha, filhinha, não cuides que a tua velha tia é menos esperta que o pai da rapariga da aldeia.

Teresa respondeu com beijos às jovialidades carinhosas da santa senhora, e sumiu-se a ler a carta, e a responder-lhe. Entregando a resposta, disse ela ao ferrador:

– Não vê aí sentada naquela escadinha uma pobre?

– Vejo, sim, senhora, e conheço-a. Como diabo veio para aqui esta mulher? Cuidei que, depois da esfrega que lhe deu o hortelão, a pobrezita não tinha pernas que a cá trouxessem! A mulher pelos modos tem fibras daquela casta!

– Fale baixo – tornou Teresa. – Pois olhe… quando trouxer as cartas, entregue-lhas a ela, sim? Eu já a mandei à cadeia: mas não a deixaram lá entrar.

– Bem está, e o arranjo não é mau assim. Fique com Deus, menina.

Esta boa nova alegrou Simão. A providência divina apiedara-se dele naquele dia. O restaurar-se o juízo de Mariana e a possibilidade de corresponder-se com Teresa eram as máximas alegrias que podiam baixar do Céu ao seu cerrado infortúnio.

Exaltara-se Simão em graças a Deus, na presença de João da Cruz, que arrumava no quarto uns móveis que comprara em segunda mão, quando este, suspendendo o trabalho, exclamou:

– Então vou-lhe dizer outra coisa, que não tinha tenção de dizer, para o apanhar de súpeto.

– Que é?

– A minha Mariana veio comigo, e ficou na estalagem, porque não se podia bulir com dores; mas amanhã ela cá está para lhe fazer a cozinha e varrer a casa.





Os capítulos deste livro