Amor de Perdição - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 116 / 145

Recebeu depois a carta do corregedor do crime, e mandou imediata e secretamente devassar se em Vila Real estava a senhora que indicava a carta. A espionagem deu-a como certa na estalagem, enquanto Manuel Botelho cuidava nos adornos de uma casa. Escreveu o magistrado ao juiz de fora, e este mandou chamar à sua presença a mulher suspeita e ouviu dela a sua história, sincera e lacrimosamente contada. Condoeu-se o juiz, e revelou ao colega as suas averiguações. Domingos Botelho foi a Vila Real, e hospedou-se em casa do juiz de fora, onde a senhora foi novamente chamada, sendo que ao mesmo tempo o general da província lavrava ordem de prisão para o cadete desertor de cavalaria de Bragança.

A açoriana, em vez do juiz, encontrou um feio homem, de carrancuda sombra, e aparências de intenções sinistras.

– Eu sou pai de Manuel – disse Domingos Botelho. – Sei a história da senhora. O infame é ele. Vossa senhoria é a vítima. O castigo da senhora principiou desde o momento em que a sua consciência lhe disse que praticou uma acção indigna. Se a consciência lho não disse ainda, ela lho dirá. Donde é?

– Da ilha do Faial – respondeu trémula a dama.

– Tem família?

– Tenho mãe e irmãs.

– Sua mãe aceitá-la-ia, se a senhora lhe pedisse abrigo?

– Creio que sim.

– Sabe que Manuel é um desertor, que a estas horas está preso ou fugitivo?

– Não sabia…

– Quer isto dizer que a senhora não tem protecção de alguém…

A pobre mulher soluçava, abafada por ânsias, e debulhada em lágrimas.

Amor de Perdição

Camilo Castelo Branco

– Porque não vai para sua mãe?

– Não tenho recursos alguns – respondeu ela.

– Quer partir hoje mesmo? À porta da estalagem, daqui a pouco, encontrará uma liteira e uma criada para acompanhá-la até ao Porto. Lá entregará uma carta. A pessoa a quem escrevo lhe cuidará da passagem para Lisboa. Em Lisboa outra pessoa a levará a bordo da primeira embarcação que sair para os Açores. Estamos combinados? Aceita?





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