Amor de Perdição - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 131 / 145

Não me peças que aceite dez anos de prisão. Tu não sabes o que é a liberdade cativa dez anos! Não compreendes a tortura dos meus vinte meses. A voz única que tenho ouvido é a da mulher piedosa que me esmola o pão de cada dia, e a do aguazil que veio dar-me a sarcástica boa nova de uma graça real, que me comuta o morrer instantâneo da forca pelas agonias de dez anos de cárcere.

Salva-te, se podes, Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai. Se tem de renascer para ti uma aurora de paz, vive para a felicidade desse dia. E, senão, morre, Teresa, que a felicidade é a morte, é o desfazerem-se em pó as fibras laceradas pela dor, é o esquecimento que salva das injúrias a memória dos padecentes».

As palavras únicas de Teresa, em resposta àquela carta, significativa da turbação do infeliz, foram estas: «Morrerei, Simão, morrerei. Perdoa tu ao meu destino… Perdi-te… Bem sabes que sorte eu queria dar-te... e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te. Se podes, vive; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares. Consolar-te-á o meu espírito… Estou tranquila… Vejo a aurora da paz… Adeus até ao Céu, Simão.»

Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana. Di-lo-íeis arroubado nas voluptuosas angústias do seu próprio aniquilamento. A criatura posta por Deus ao lado daqueles dezoito anos tão atribulados chorava; mas as lágrimas, se Simão as via, tiravam-no da mudez sossegada para ímpetos de aflição, que afinal o extenuavam.

Decorreram seis meses ainda.

E Teresa vivia, dizendo às suas consternadas companheiras que sabia ao certo o dia do seu trespasse.

Duas primaveras vira Simão Botelho pelas grades do seu cárcere. A terceira já enflorava as hortas, e esverdeava as florestas do Candal.

Era em Março de 1807.

No dia 10 desse mês, recebeu o condenado intimação para sair na primeira embarcação que levantava âncora do Douro para a Índia. Nesse tempo vinham aqui os navios buscar os degredados, e recebiam em Lisboa os que tinham igual destino.





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