Os dez anos de ferros em que lhe quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo. E aceitá-los-ia, por ventura, se amasse o Céu, onde Teresa bebia o ar, que nos pulmões se lhe formava em peçonha? Creio: antes a masmorra, onde pode ouvir-se o som abafado de uma voz amiga; antes os paroxismos de dez anos sobre as lajes húmidas de uma enxovia, se, na hora extrema, a última faísca da paixão, ao bruxulear para morrer, nos alumia o caminho do Céu por onde o anjo do amor desditoso se levantou a dar conta de si a Deus, e a pedir a alma do que ficou.
Teresa pedira a Simão que aceitasse dez anos de cadeia, e esperasse aí a sua redenção por ela.
«Dez anos! – dizia-lhe a enclausurada de Monchique. – Em dez anos terá morrido meu pai e eu serei tua esposa, e irei pedir ao rei que te perdoe, se não tiveres cumprido a sentença. Se vais ao degredo, para sempre te perdi, Simão, porque morrerás ou não acharás memória de mim, quando voltares.»
Como a pobre se iludia nas horas em que as débeis forças de vida se lhe concentravam no coração!
As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.
Se por amor ou piedade o condenado aceitasse os ferrolhos três mil seiscentas e cinquenta vezes corridos sobre as suas longas noites solitárias, nem assim Teresa susteria a pedra sepulcral que a vergava de hora a hora.
«Não esperes nada, mártir – escrevia-lhe ele. – A luta com a desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte… Há um segredo que só no sepulcro se sabe. Ver-nos-emos?
Vou. Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está aos meus olhos coberto de forcas, e quantos homens falam a minha língua, creio que os ouço vociferar as imprecações do carrasco. Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor, Teresa!
Esquece-te de mim, e adormece no seio do nada. Eu quero morrer, mas não aqui. Apague-se a luz de meus olhos; mas a luz do céu, quero-a! Quero ver o céu no meu último olhar.