Amor de Perdição - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 85 / 145

Simão continuou a ler, sem ouvir o criado:

«Deves estar sem dinheiro, e eu desgraçadamente não posso hoje enviar-te um pinto. Teu irmão Manuel, desde que fugiu para Espanha, absorve-me todas as economias. Veremos, passado algum tempo, o que posso fazer; mas receio bem que teu pai saia de Viseu, e nos leve para Vila Real, para abandonar de todo o teu julgamento à severidade das leis.

Meu pobre Simão! Onde estarias tu escondido quinze dias?! Hoje mesmo é que teu pai teve a carta dum lente, participando-lhe a tua falta nas aulas, e saída para o Porto, segundo dizia o arrieiro que te acompanhou.

Não posso mais. Teu pai já espancou a Ritinha, por ela querer ir à cadeia. Conta com o pouco valor da tua pobre mãe ao pé dum homem enfurecido como está teu pai.»

Simão Botelho reflectiu alguns minutos, e convenceu-se de que o dinheiro recebido era de João da Cruz. Quando saiu com o espírito desta meditação, tinha os olhos marejados de lágrimas.

– Não chore, menino – disse o criado –, os trabalhos são para os homens, e Deus há-de fazer tudo pelo melhor. Almoce, senhor Simão.

– Leva o almoço – disse ele.

– Pois não quer almoçar?!

– Não. Nem voltes aqui. Eu não tenho família. Não quero absolutamente nada da casa de meus pais. Diz a minha mãe que eu estou sossegado, bem alojado, e feliz, e orgulhoso da minha sorte. Vai-te embora já.

O criado saiu, e disse ao carcereiro que o seu infeliz amo estava doido. D. Rita achou provável a suspeita do servo, e viu a evidência da loucura nas palavras do filho.

Quando o carcereiro voltou ao quarto de Simão, entrou acompanhado de uma rapariga camponesa: era Mariana. A filha de João da Cruz, que até àquele momento não apertava sequer a mão do hóspede, correu a ele com os braços abertos, e o rosto banhado de lágrimas. O carcereiro retirou-se, dizendo consigo: – Esta é bem mais bonita que a fidalga!

– Não quero ver lágrimas, Mariana – disse Simão. – Aqui, se alguém deve chorar sou eu; mas lágrimas dignas de mim, lágrimas de gratidão aos favores que tenho recebido de si e de seu pai. Acabo de saber que minha mãe nunca me mandou dinheiro algum. Era de seu pai aquele dinheiro que recebi.





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