Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 110 / 156

Isto era o exórdio, que os meus inimigos chamaram farfalhada. Seguia-se depois a exposição chã da protérvia de Anselmo Sanches, arranjada em três capítulos, cada um com uma epígrafe. A primeira era: Quousque tandem, Catilina?... Achou toda a gente literata muita novidade nesta passagem de Cícero a propósito de Anselmo. A segunda epígrafe era Proh pudor, proh dolor! - também nova. O terceiro capítulo rompia com o Me, me adsum qui feci, in me convertite ferrum. O todo era broslado de passagens latinas, que tornavam o meu artigo um parto de indignação e outro parto de sapiência.

Guardava eu as justas conveniências em embuçar os nomes das duas mulheres, que figuravam no quadro infesto à dignidade humana; mas abstive-me de cerimónias com o doutor.

O meu artigo levantou contra mim celeuma de pessoas honestas, e até jornais honestos me saíram de revés, acoimando-me de indiscreto, licencioso e causa ocasional de escândalo. É boa tolice esta! Uma gazeta sisuda, maravilhando-se de que eu fizesse queixumes, não sendo sequer marido da dama, aplicou-me os sabidos versos de Nicolau Tolentino:

Apóstolo impertinente

Pra que hás de tu suar,

Se não sua o padecente?

Anselmo, como visse que a imprensa e a opinião pública estavam com ele contra o jornal, por abuso. O responsável declinou sobre mim, e eu fui sentar-me no banco dos réus em polícia correcional.

O advogado de acusação era um jurisperito de grande nomeada e uma gravidade de colarinhos assustadora. O meu patrono foi, nomeado ex-ofício: era um bacharel verde em anos e sorvado em inteligência.

A acusação fez o panegírico dos séculos áureos em que não tinha imprensa, nem as vidas das famílias estavam expostas aos enxovalhos de escrevinhadores devassos.





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