Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 1: PREÂMBULO Pág. 3 / 156

O segundo, menos volumoso, diz: Cabeça.

O título do terceiro, e maior volume, é: Estômago.

Nenhum deles designa época; mas quem tiver, como eu, particular conhecimento do indivíduo, pode, sem grande erro cronológico, datar os três manuscritos.

O Coração reina desde 1844 até 1854. São aqueles dez anos em que nós vimos Silvestre fazer tolice brava.

Em 1855 notamos a transfiguração do nosso amigo, que durou até 1860, época em que tu já tinhas trocado o Património da estima dos teus conterrâneos pelas lentilhas do Novo Mundo. Não viste, pois, a transição que o homem fez para o estômago, sepultura indigna das santas quimeras, que aconteceram na mocidade, e consequência funesta da má direção que ele deu aos Projetos, raciocínios e sistemas da cabeça. Podemos assinar tempo ao terceiro volume, desde 1860 até fim de 61, em que o autobiógrafo se desmanchou do que era para se arranjar doutro feitio.

Silvestre, como sabes, tinha muita lição de maus livros. Olha se te lembras que os seus folhetins eram um viveiro de imoralidades vestidas, ou nuas, à francesa. Jornal em que ele escrevesse morria ao fim do primeiro trimestre, depois de ter matado muitas ilusões. Quem hoje desembrulha um queijo flamengo, e lê no invólucro um folhetim de silvestre, mal pensará que tem entre as mãos o passaporte de muita gente para o inferno. Não há muito que eu, despejando uma quarta de mostarda num banho de pés, li o papel, que a contivera, e achei o seguinte período de um folhetim do meu saudoso amigo:

“Diz Petrónio que fora o medo que inventara as divindades.

Deus é o que é. O homem é o pequeníssimo bicho da terra, de que fala o Camões.

Entre Deus e o homem, só a soberba estúpida do homem podia inventar convenções, concordatas, obrigações e alianças.





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