Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 3: CAPÍTULO II - A MULHER QUE O MUNDO RESPEITA Pág. 34 / 156

O criado, vencida a ficção dos escrúpulos, aceitou a carta, que eu escrevi numa mercearia do Campo Grande, a qual poderia entrar numa coleção de cartas para o uso dos anjos, se os amores lá de cima carecessem do favor do estilo e prosperassem na razão direta do arredondado do período.

Ao outro dia, fui a Benfica. Vi o papagaio, que saltou da gaiola ao peitoril da varanda, quando eu passava, e disse: “Tô carrocha” pareceu-me isto um ludibrio do pássaro, ensinado pela dona; mas a Providência é tão boa para os tolos que os compensa com o engenho de imputarem ao acaso as caçoadas que racionalmente e acintemente os castigam.

Depois de muitas diligências malogradas, encontrei o criado, que me asseverou a entrega da carta e o rubor da menina quando a leu. Falei-lhe na resposta, e ele redarguiu que não ousava pedi-la por ser falta de respeito.

Nesta situação, tão dolorosa como ofensiva do meu orgulho, fui a um baile. Não foi de todo despressentida a minha entrada nas salas. A juventude de ambos os sexos encarou em mim com afetuosa benquerença. Os cabelos iam fatais e as olheiras fatalíssimas.

Às onze horas, quando eu, no salão de espera, me atirava a uma almofada, como corpo que não pode com a alma, tangeu duas vezes a sineta do pátio, e em seguida entrou Paula, pelo braço de um homem bem figurado, com outras senhoras e cavalheiros idosos no préstito.

Creio que me não viu, e, se me viu, fez o que fazem as mais inocentes e desartificiosas senhoras quando não querem ver.

Segui-a. Avizinhei-a nas salas. Ouvi o som da sua voz. Tive indiretamente notícias do papagaio, pedidas por uma outra menina. Convidei-a para uma quadrilha. Vi-lhe um gesto de assentamento, e senti-me brutificar, pensando no que havia de dizer-lhe.

Destes apertos têm saído grandes tolices e grandes conceitos.





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