Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 4: CAPÍTULO III - A MULHER QUE O MUNDO DESPREZA Pág. 76 / 156

O desapego do meu coração era incompreensível. Na minha vida só se tinham dado os infortúnios que lhe contei. Não gastara a sensibilidade; amara-o apenas a ele; e, sem ter sido enganada pela sedução de algum homem, sinceramente lhe digo que me inclinava a odiá-los todos. Creio que me levaram a isto as desgraças da minha irmã falecida. Cuidei que todos os sentimentos de dignidade lhos tinham matado os homens, reduzindo-a à hediondez de corpo e alma em que a vi.

As conversações de augusto tendiam todas ao casamento. Contrariei-as com simulada repugnância; mas na minha alma antevia a felicidade de ter um marido, que nunca me havia de pedir contas do meu passado. Além disso, meditando nos costumes de Augusto, no seu viver, na sua aplicação aos estudos, e no plano que tinha de se retirar para uma província logo que estivesse formado, achava-o mais perfeito do que eu podia merecê-lo: parecia-

me que qualquer menina sem mancha na sua reputação e com um bom dote se devia dar por bem-aventurada com tal marido.

Casei.

Acredite que eu não tive um mês de contentamento. Sou obrigada a crer que há em mim desgraça contagiosa. Augusto transfigurou-se, se não era hipócrita; ou o demónio do meu destino lhe entrou no espírito para me atormentar sem tréguas, nem fim. Eu não posso demorar-me a contar-lhe pelo miúdo o desconcerto em que vivemos. Augusto era libertino, dissipador, jogador, e até embriagado o vi muitas vezes. Como se explica esta mudança, a não ser pela precisão de mudar-se tão espantosamente um homem que devia ser o meu flagelo?! Mas Porquê? Em que era eu criminosa para tal castigo? Que mal fizera eu a Deus ou à sociedade? Não fui causa a que o barão deixasse a mulher, porque já a tinha abandonado quando me levou para si. Fui boa com a minha mãe e com as minhas irmãs.





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