Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 4: CAPÍTULO III - A MULHER QUE O MUNDO DESPREZA Pág. 77 / 156

Lembra-me agora se o meu crime era possuir alguns contos de réis das jóias que me tinham sido dadas, e que eu escondi aos direitos da herdeira. Mas a minha desonra e repulsão dentre as pessoas virtuosas não valia alguma coisa?

Seriam as jóias, seriam, meu amigo... É certo que o meu marido em dois anos dissipou tudo, tudo. As inscrições vendeu-as; o resto dos braceletes, anéis, cadeias, relógios, tudo com razão ou sem ela, com violência ou brandura, me levou de casa. Restavam-me os móveis, quando, depois de esperar três dias por Augusto, recebi dele uma carta em que me dizia adeus para sempre. Não sei se saiu do País, se se matou. Há três anos que o não vi, nem os seus condiscípulos tiveram noticias dele.

Ficaram comigo três irmãs, e a minha mãe na sua casa, vivendo da mesada que eu lhe dera até ao fim, já quando a furtava à boca e à decência do vestir. Chamei minhas irmãs, que eram já mulheres, e disse-lhes que era necessário morrermos todas. Ouviram-me espavoridas. Disse-lhes que a morte era simples e rápida se acendêssemos dois fogareiros num quarto e fechássemos portas e janelas. Lançaram-se a mim a chorar. Não queria morrer.

Fui vendendo a roupa e os móveis. Perto estava já o dia da fome irremediável, quando fui convidada a procurar em determinada casa um homem que desejava tirar-me da miséria. A encarregada deste convite era uma mulher que tinha estabelecimento público de infâmia. Fui?... Fui... O meu amigo, porque minhas irmãs tinham vendido na véspera as suas camisas e a minha mãe já três vezes tinha vindo à minha porta pedir esmola com um ar de zombaria que me espedaçava. Apenas conheci a casa em que estava, quis fugir; mas fui estorvada pelo homem que me chamara. Era um amigo do barão.

Voltei a casa com uma peça de ouro e escondi das minhas irmãs a ignomínia daquele dinheiro.





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