Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 96 / 156

Quando me avistei com eles na mesma zona, senti-me corrompido, escorria-me do coração o pus tábido das chagas; dei como impossível o regenerar-me diante do meu próprio senso íntimo; estava ou devia estar perdido, porque julguei necessária à vida a hipocrisia cínica.

É que, sem ter descido as escaleiras todas da protérvia e do opróbrio, não se devassa o latíbulo em que se encovam os homens honestos.

A corrupção periódica das almas, empestadas pelo exemplo, ou impelidas pelo instinto, não tem que ver com a corrupção por grosso, que o acaso ou o ardil vos depara no secreto viver dessa cabilda de beduínos, salteadores da honra alheia, e nojentíssimos farsistas da sua (*).

[(*) Aqui está uma amostra das desordenadas imprecações de Silvestre contra a sociedade. Escreveu-as provavelmente durante a passagem da cabeça ao estômago. A trovoadas tais de estilo é o que andavam sacrificados todos os jornais em que ele escrevia. Era impossível que o assinante, no fim do trimestre, não recebesse o cobrador do jornal como a última palavra do insulto. pela minha vontade, podava muito destas páginas; mas, sobre ser deslealdade à memória do autor, seria supor que os homens sinceramente honestos do Porto se ofendem da sátira que reverbera os velhacos. O que eu quisera concertar é o desmancho de ideias deste capítulo; não posso, nem sei o que ele pensava, nem porque estava assim assanhado contra a sociedade portuense. Devia de ser escrita esta objurgatória no fim de algum trimestre, quando o proprietário do jornal lhe intimou silêncio.]

O mundo é péssimo; há, porém, providência nesta péssima organização.

A hora certa, dentre as flores da vida, cultivadas por mão ilesa de espinhos, salta a víbora, que a morde.

Não há felicidade completa para a verdadeira honra: menos a haverá para a falsa.





Os capítulos deste livro