O Crime do Padre Amaro - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 126 / 478

O Sr. Vasques, com loja de panos na Arcada, parara a olhar, descontente daquela "falta de ordem pública".

- Algum barulho? perguntou-lhe Amélia.

- O1á, menina Amélia! Não, uma brincadeira do soldado. Atirou- lhe um rato morto à cara, e a mulher está a fazer aquele espalhafato. Bêbedas!

Mas a rapariga de garibaldi vermelho voltara-se - e Amélia aterrada reconheceu a Joaninha Gomes, sua amiga da mestra, que fora amante do padre Abílio! O padre fora suspenso, deixara-a; ela partira para Pombal, depois para o Porto; de miséria em miséria voltara a Leiria, e aí vivia nalguma viela ao pé do quartel, entisicando, gasta por todo um regimento! - Que exemplo, Santo Deus, que exemplo!...

E também ela gostava dum padre! Também ela, como outrora a Joaninha, chorava sobre a sua costura quando o Sr, padre Amaro não vinha! Onde a levava aquela paixão! à sorte da Joaninha! A ser a amiga do pároco! E via-se já apontada a dedo, na rua e na Arcada, mais tarde abandonada por ele, com um filho nas entranhas, sem um pedaço de pão!... E, como uma rajada de vento que limpa num momento um céu enevoado, o terror agudo que lhe dera o encontro de Joaninha varreu-lhe do espírito as névoas amorosas e mórbidas, em que ela se ia perdendo. Decidiu aproveitar a separação, esquecer Amaro; lembrou-se mesmo de apressar o seu casamento com João Eduardo, para se refugiar num dever dominante; durante alguns dias forçou-se a interessar-se por ele; começou mesmo a bordar-lhe umas chinelas...

Mas pouco a pouco a ideia má que, atacada, se encolhera e se fingira morta, - principiou lentamente a desenroscar-se, a subir, a invadi-la! De dia, de noite, costurando e rezando, a ideia do padre Amaro, os seus olhos, a sua voz apareciam-lhe, tentações teimosas! com um encanto crescente.





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