O Crime do Padre Amaro - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 13 / 478

Levou-o para uma sala pequena, pintada de amarelo, com um vasto canapé de palhinha encostado à parede, e defronte, aberta, uma mesa forrada de baeta verde.

- É a sua sala, senhor pároco, disse a S. Joaneira. Para receber, para espairecer... Aqui - acrescentou abrindo uma porta - é o seu quarto de dormir. Tem a sua cômoda, o seu guarda-roupa... - Abriu os gavetões, gabou a cama batendo a elasticidade dos colchões. - Uma campainha para chamar sempre que queira... As chavinhas da cômoda estão aqui... Se gosta de travesseirinho mais alto... Tem um cobertor só, mas querendo...

- Está bem, está tudo muito bem, minha senhora, - disse o pároco com a sua voz baixa e suave.

- É pedir! O que há, da melhor vontade...

- Oh criatura de Deus! interrompeu o cônego jovialmente, o que ele quer agora é cear!

- Também tem a ceiazinha pronta. Desde as seis que está o caldo a apurar...

E saiu, para apressar a criada, dizendo logo do fundo da escada:

- Vá, Ruça, mexe-te, mexe-te!...

O cônego sentou-se pesadamente no canapé, e sorvendo a sua pitada:

- É contentar, meu rico. Foi o que se pôde arranjar.

- Eu estou bem em toda parte, padre-mestre, disse o pároco, caçando os seus chinelos de ourelo. Olha o seminário!... E em Feirão! Caía- me a chuva na cama.

Para o lado da Praça, então, sentiu-se o toque de cometas.

- Que é aquilo? perguntou Amaro, indo à janela.

- As nove e meia, o toque de recolher.

Amaro abriu a vidraça. Ao fim da rua um candeeiro esmorecia. A noite estava muito negra. E havia sobre a cidade um silêncio côncavo, de abóbada.

Depois das cometas, um rufar lento de tambores afastou-se para o lado do quartel; por baixo da janela um soldado, que se demorara nalguma viela do Castelo, passou correndo; e das paredes da Misericórdia saía constantemente o agudo piar das corujas.





Os capítulos deste livro