O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 270 / 478

Amélia e a Gansoso, no quarto, rebuscavam pelas gavetas, por entre a roupa branca, as fitas e as calcinhas, à caça dos "objetos excomungados". E a S. Joaneira assistia, atônita e assustada, àquele alarido de auto-de-fé que atravessava bruscamente a sua pacata, refugiada ao pé do cônego, que depois de ter rosnado algumas palavras sobre "a Inquisição em casas particulares", se enterrara comodamente na poltrona.

- É para lhes fazer sentir que se não perde impunemente o respeito à batina, dizia Natário baixo a Amaro.

O pároco assentiu, com um gesto mudo de cabeça, contente daquelas cóleras beatas que eram como a afirmação ruidosa do amor que lhe tinham as senhoras.

Mas D. Josefa impacientava-se. Agarrara já o Panorama com as pontas do xale, para evitar o contágio, e gritava para dentro, para o quarto, onde continuava pelos gavetões uma rebusca furiosa:

- Então apareceu?

- Cá está, cá está!

Era a Gansoso que entrava triunfante com a cigarreira, a velha luva e o lenço de algodão.

E as senhoras, com alarido, arremeteram para a cozinha. A mesmas S. Joaneira as seguiu, como boa dona de casa, para fiscalizar a fogueira.

- Os três padres então, sós, olharam-se - e riram.

- As mulheres têm o diabo no corpo, disse o cônego filosoficamente.

- Não senhor, padre-mestre, não senhor, acudiu logo Natário fazendo-se sério. Eu rio, porque a coisa, assim vista, parece patusca. Mas o sentimento é bom. Para a verdadeira devoção ao sacerdócio, horror à impiedade... enfim o sentimento é excelente.

- O sentimento é excelente, confirmou Amaro, também sério.

O cônego ergueu-se:

- E é que se pilhassem o homem eram capazes de o queimar... Não lho digo a brincar, que a mana tem fígados para isso... É um Torquemada de saias...

- Está na verdade, está na verdade, afirmou Natário.





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