O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 269 / 478

Ele então, tomando logo o ar pedagógico que lhe voltava dos seus antigos hábitos do seminário sempre que se tratava de doutrina, declarou que o colega Natário tinha razão. Quem espanca um sacerdote, sabendo que é um sacerdote, está ipso facto excomungado. É doutrina assente. É o que se chama a excomunhão latente; não necessita a declaração do pontífice ou do bispo, nem o cerimonial, para ser válida, e para que todos os fiéis considerem o ofensor como excomungado. Devem-no tratar portanto como tal... Evitá-lo a ele, e ao que lhe pertence... E este caso de pôr mãos sacrílegas num sacerdote era tão especial, continuava o cônego num tom profundo, que a bula do papa Martinho V, limitando os casos de excomunhão tácita, conserva-a todavia para o que maltrata um sacerdote... - Citou ainda mais bulas, as constituições de Inocêncio IX e de Alexandre VII, a Constituição Apostólica, outras legislações temerosas; rosnou latins, aterrou as senhoras.

- Esta é a doutrina, concluiu dizendo; mas a mim parece-me melhor não se fazer disso espalhafato...

D. Josefa Dias acudiu logo:

- Mas nós é que não podemos arriscar a nossa alma a encontrar aqui por cima das mesas coisas excomungadas.

- É destruir! exclamou D. Maria da Assunção. É queimar, é queimar!

D. Joaquina Gansoso arrastara Amélia para o vão da janela, perguntando-lhe se tinha outros objetos pertencentes ao homem. Amélia, atarantada, confessou que tinhas algures, não sabia onde, um lenço, uma luva desirmanada, e uma cigarreira de palhinha.

- É para o fogo, é para o fogo! gritava a Gansoso excitada.

A sala vibrava agora com a gralhada das senhoras, arrebatadas num furor santo. D. Josefa Dias, D. Maria da Assunção falavam com gozo do fogo, enchendo a boca com a palavra, numa delícia inquisitorial de exterminação devota.





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