O Crime do Padre Amaro - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 342 / 478

Contava, para se salvar e para se livrar da cólera de Nossa Senhora, com a influência do pároco na corte de Deus: e temia que ele por negligência de devoção a perdesse, e que, diminuindo o seu fervor, diminuíssem os seus méritos aos olhos do Senhor. Queria-o conservar santo e favorito do Céu para colher os proveitos da sua proteção mística.

Amaro chamava a isto "caturrices de freira velha". Detestava-as, por as achar frívolas - e porque tomavam um tempo precioso, naquelas manhãs da casa do sineiro...

- Nós não viemos aqui para lamúrias, dizia ele, muito secamente. Fecha a porta, se queres.

Ela obedecia, - e então aos primeiros beijos na penumbra da janela cerrada, ele reconhecia enfim a sua Amélia, a Amélia dos primeiros dias, o delicioso corpo que lhe tremia todo nos braços, em espasmos de paixão.

E cada dia a desejava mais, dum desejo contínuo e tirânico, que aquelas horas escassas não satisfaziam. Ah! positivamente, como mulher não havia outra!... Desafiava a que houvesse outra, mesmo em Lisboa, mesmo nas fidalgas!... Tinha pieguices, sim, mas era não as tomar a sério, e gozar enquanto era novo!

E gozava. A sua vida por todos os lados tinha confortos e doçuras - como uma destas salas onde tudo é acolchoado, não há móveis duros nem ângulos, e o corpo, onde quer que pouse, encontra a elasticidade mole duma almofada.

Decerto, o melhor era as suas manhãs em casa do tio Esguelhas. Mas tinha outros regalos. Comia bem: fumava caro numa boquilha de espuma: toda a sua roupa branca era nova e de linho: comprara alguma mobília: e não tinha, como outrora, embaraços de dinheiro porque a Sra. D. Maria da Assunção, a sua melhor confessada, lá estava com a bolsa pronta. Sobretudo, ultimamente, tivera uma pechincha: uma noite em casa da S. Joaneira, a excelente senhora, a propósito duma família de ingleses que vira passar num char-á-banc para ir visitar a Batalha, exprimira a opinião que os ingleses eram hereges.





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