Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 100 / 273

Revia a casinha branca e o jardim cheio de roseiras, junto da estrada que levava aos montes, e recordava o triste e orgulhoso gesto de recusa que ali faria, junto dela, no jardim iluminado pela lua, após anos de ausência e de aventura. Nessas alturas, os discursos brandos de Claude Melnotte subiam-lhe aos lábios e acalmavam a sua inquietação. Tocava-o então uma doce premonição da entrevista por que tinha ansiado, apesar da horrível realidade que se situava entre a sua esperança de então e o presente, daquele encontro sagrado que imaginara, em que a fraqueza, a timidez e a inexperiência o abandonariam.

Tais momentos passavam e o fogo devastador da luxúria voltava a acender-se. Os versos desapareciam dos seus lábios, e os gritos desarticulados e as palavras brutais não pronunciadas acorriam de novo ao seu cérebro, forçando a passagem. O seu sangue revoltava-se. Subia e descia as ruas escuras e sujas, espreitando o brilho das vielas e dos portais, escutando ansiosamente todos os sons. Gemia interiormente como um animal frustrado em busca da presa. Queria pecar com alguém da sua espécie, forçar outro ser a pecar com ele e fazê-lo exultar com o pecado. Sentia uma presença obscura cair irresistivelmente sobre ele, nas trevas, uma presença subtil e múrmure como um rio, inundando-o por completo. O seu murmúrio obcecava-lhe os ouvidos como o murmúrio de uma multidão adormecida; a sua corrente subtil penetrava no seu corpo. Apertava convulsivamente as mãos e cerrava os dentes, ao experimentar a agonia desta penetração. Estendeu os braços, no meio da rua, para segurar a frágil figura que se lhe escapava e o incitava: e o grito que estrangulara durante tanto tempo na garganta saiu-lhe dos lábios. Escapou-se de dentro dele como um lamento de desespero dum Inferno de condenados e foi morrer num lamento de furiosa súplica, um grito de iníquo abandono, um grito que era apenas o eco de um palavrão obsceno que lera na parede a escorrer de um urinol.





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