As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 13 / 339

Tanto quanto as ligaduras que me atavam me permitiam, consegui virar-me um pouco e vi uma plataforma com cerca de um pé e meio de altura, com capacidade para quatro pessoas daquele tamanho, com duas ou três escadas para treparem. A partir dali um deles, que parecia ser de nobre condição, fez um grande arrazoado de que não entendi palavra. Mas deveria ter mencionado que, antes desta importante personagem começar o seu discurso, gritou três vezes Lagr dehul san (estas palavras e as anteriores foram-me depois repetidas e explicadas). Imediatamente umas cinquenta pessoas aproximaram-se de mim e cortaram as cordas que prendiam o lado esquerdo da minha cabeça, o que permitiu que me voltasse para a direita para observar o orador. Parecia ser de meia idade e mais alto que os outros três que o serviam, dos quais um era um pajem que lhe segurava a cauda do vestuário, que parecia ser um pouco mais comprida que o meu dedo médio. Os restantes dois, estavam um de cada lado para o ajudar. Adoptou todas as atitudes oratórias possíveis e, no seu discurso, pude observar passos ameaçadores, promissores, piedosos e amáveis. Respondi com umas breves palavras, em atitude submissa, erguendo a mão esquerda e o olhar para o Sol, como se ele servisse de testemunha. Como estava morto de fome, pois não havia posto o dente em nada horas antes de abandonar o barco, e as minhas necessidades eram tão imperiosas, não me contive de mostrar a minha impaciência (talvez contra as normas estritas da boa educação) metendo um dedo na boca, dando a entender que queria comer. O hurgo (assim chamam a um grande senhor, como aprendi mais tarde) compreendeu-me na perfeição. Desceu da plataforma e ordenou que, através de escadas encostadas ao meu dorso, subissem umas cem pessoas que se encaminharam para a minha boca carregadas com cestos cheios de carne que o rei mandara enviar logo que soube da minha existência.




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