As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 139 / 339

Quando concluí o trabalho, ofereci-as à rainha que as colocou no seu toucador, passando a exibi-las como curiosidades ante o espanto de todos os que as contemplavam. A rainha queria a todo o custo que me sentasse nelas, mas recusei com firmeza a proposta: aleguei que preferia morrer mil vezes a colocar as minhas nádegas naqueles preciosos cabelos que antes adornavam a cabeça de Sua Majestade. Como sempre tivera destreza para os trabalhos manuais, fiz também com esses cabelos uma bonita bolsinha de uns cinco pés de comprimento, com o nome de Sua Majestade em letras de ouro e, com a sua autorização, oferecia-a a Glumdalclitch. A falar verdade, era mais bonita que útil, já que era demasiado frágil para suportar o peso das moedas grandes, de modo que a minha pequena ama apenas guardava os pequenos objectos que as meninas tanto apreciam.

O rei, grande amante da música, dava frequentes concertos na corte, a que às vezes assistia na minha caixa, colocada sobre uma mesa; mas o estrondo era tão ensurdecedor que dificilmente conseguia distinguir as melodias. Estou certo de que o troar dos tambores e das trombetas do exército real a soar em simultâneo nos meus ouvidos não provocariam tanto estrépito. Costumava pedir que colocassem a minha caixa muito longe dos músicos e logo fechava as janelas e corria os reposteiros. Assim não achava a música desagradável.

Na minha juventude aprendera a tocar rudimentarmente espineta.

Glumdalclitch tinha uma nos seus aposentos e o professor de música vinha dar-lhe lições duas vezes por semana. Chamo-lhe espineta porque era um instrumento semelhante e que se tocava do mesmo modo. Planeei utilizá-la para tocar uma toada inglesa ao rei e à rainha.





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