As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 16 / 339

Procurei, uma vez mais, romper as cordas mas, ao voltar a sentir o ardor das flechas na cara e nas mãos, que já estavam cheias de bolhas, e com muitas setas ainda cravadas, e ao verificar também que o número de inimigos aumentava, dei-lhes a entender que podiam fazer de mim o que quisessem. Com isso, o hurgo e o seu séquito retiraram-se com muita cortesia e aspecto satisfeito. Pouco depois ouvi uma algazarra com frequente repetição das palavras Peplom selan, e senti que muitas pessoas soltavam as cordas do meu lado esquerdo, ao ponto de poder voltar-me para a direita e encontrar alívio, urinando em grande quantidade ante a surpresa da gente que, suspeitando pelos movimentos o que ia fazer, se tinha afastado para a direita e para a esquerda para evitar a torrente que saía de mim com estrépito e violência. Antes disto, tinham-me untado a cara e as mãos com um unguento de cheiro muito agradável que, em poucos minutos, fez dissipar o ardor provocado pelas flechas. Tudo isto, junto à satisfação produzida pela comida e bebida que me tinham sido oferecidas e que eram muito nutritivas, provocou-me sono. Dormi cerca de oito horas, como depois me disseram; e não é de admirar visto que os médicos, por ordem do imperador, tinham misturado um sonífero no vinho.

Parece que, desde o próprio momento em que me descobriram a dormir no chão, após a minha chegada, enviaram um mensageiro ao imperador, decidindo este em conselho que me atassem da maneira que relatei (o que fizeram durante a noite enquanto dormia), e que enviassem grande quantidade de carne e de bebida, assim como preparassem um artefacto para transferir-me para a cidade.

Esta decisão talvez possa parecer demasiado atrevida e perigosa, e creio que muitos príncipes europeus não a imitariam, em situação semelhante. No entanto, na minha opinião, teve tanto de prudência como de generosidade.





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