As Viagens de Gulliver - Cap. 5: Capítulo III Pág. 172 / 339

Verifiquei que havia entre eles um holandês que, apesar de não ser o comandante de nenhum dos barcos, parecia deter alguma autoridade. Pelo nosso aspecto identificou-nos como ingleses e, dirigindo-se a nós na sua língua, ameaçou que nos ataria costas com costas e que nos lançaria borda fora. Sei alguma coisa de flamengo; disse-lhe quem éramos e supliquei-lhe que, dada a nossa condição de cristãos e de protestantes, de países vizinhos e em estreita aliança, procurasse persuadir os comandantes para que se apiedassem de nós. Isto encolerizou-o e levou-o a repetir as ameaças; voltando-se para os seus companheiros, falou-lhes com grande veemência em japonês, segundo pude perceber, repetindo amiúde a palavra cristãos».

O maior dos barcos piratas estava sob o mando de um comandante japonês que algaraviava mal um pouco de flamengo. Aproximou-se de mim e, após diversas perguntas a que respondi com grande humildade, prometeu que não morreríamos. Fiz-lhe uma profunda reverência e, dirigindo-me depois ao holandês, disse-lhe que lamentava muito encontrar mais compaixão num pagão do que num seguidor de Cristo como eu. Em breve, porém, tive ocasião de arrepender-me destas inoportunas palavras pois aquele patife procurou, em vão, convencer os comandantes a lançarem-me ao mar (o que não fizeram depois de me terem prometido que nos poupariam); não obstante, conseguiu persuadi-los a que me infligissem uma punição bem pior que a própria morte. Os meus homens foram distribuídos em partes iguais pelos dois barcos piratas e colocaram uma nova tripulação na balandra. No que a mim respeita, decidiram abandonar-me a deriva numa pequena embarcação a remos com uma pequena vela e provisões para quatro dias, que o segundo comandante japonês teve a bondade de duplicar, não permitindo que ninguém me revistasse.





Os capítulos deste livro