As Viagens de Gulliver - Cap. 5: Capítulo III Pág. 237 / 339

Em todo o caso, uma vez que o rei se dignava admitir-me na sua real companhia, decidi que, na primeira oportunidade e com a ajuda do meu intérprete, lhe manifestaria, aberta e amplamente, a minha opinião sobre este assunto; e seguisse ou não o meu conselho, uma coisa pretendia: já que Sua Majestade várias vezes me convidara a ficar no seu país, aceitaria reconhecido esse favor e passaria a minha vida a conviver com os struldbruggs, se esses seres superiores se dignassem admitir-me no seu círculo.

O cavalheiro a quem eu dirigira as palavras como já anteriormente disse falava o idioma de Balnibarbi olhou-me com um sorriso piedoso que é habitual fazer-se ao escutar um ignorante, afirmando que se sentia muito feliz pela decisão de permanecer no seu país, fosse qual fosse o motivo, mas pediu-me autorização para traduzir as minhas palavras aos restantes. Assim o fez e estiveram todos a discutir no seu idioma, de que não entendi palavra; tão-pouco pude ler nos rostos a impressão que as minhas palavras produziam. Depois do meu breve silêncio, o mesmo cavalheiro respondeu que os seus e meus amigos (tal a fórmula que se dignou utilizar) apreciaram muito os judiciosos comentários que formulara sobre a grande felicidade e vantagens da vida imortal e desejavam saber com pormenor como teria gostado de organizar a minha vida se me tivesse cabido a sorte de nascer struldbrugg.

Respondi-lhe que me seria fácil tratar com eloquência um tema tão rico e sedutor, especialmente no meu caso, quando muitas vezes imaginara o que faria se fosse rei, general ou um grande senhor. E este tema, o que faria se fosse imortal, já fora amiúde objecto da minha reflexão.

Se tivesse tido a sorte de nascer struldbrugg, tendo a consciência da privilegiada situação de compreender a diferença entre a vida e a morte, o meu primeiro propósito seria acumular riquezas por todos os meios ao meu alcance.





Os capítulos deste livro