As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 254 / 339

Em seguida, lançou três ou quatro relinchos com uma cadência tão diferente que tive a impressão de que conversava consigo próprio, num idioma que era o seu.

Estávamos assim, quando outro cavalo se aproximou. Saudou o primeiro com amável seriedade, e depois cruzaram com suavidade a mão anterior direita, trocando entre si relinchos de tonalidades diversas, que viam em paragens tão remotas. Apoiando-me na perspicácia do meu raciocínio, aventurei-me a falar-lhes da seguinte maneira: «Cavalheiros, se são feiticeiros (e tenho bons motivos para assim pensar) podem compreender qualquer idioma. Assim, atrevo-me a comunicar a Vossas Senhorias que sou um pobre inglês desamparado, por infortúnios arrojado a estas paragens. Suplico que um de vós permita que o monte, como se de um verdadeiro cavalo se tratasse, e me conduza a uma aldeia ou vila onde me possam socorrer. Como paga deste favor, oferecer-vos-ei esta faca e esta pulseira»; e tirei-as do bolso. Enquanto falava, as duas criaturas escutaram-me em silêncio e com muita atenção. Quando acabei, trocaram relinchos como se mantivessem uma conversa importante. Observei com clareza que a sua linguagem reflectia perfeitamente os seus sentimentos e que, com um esforço ligeiramente maior, podiam ser transcritos num alfabeto mais fácil que o chinês.

Pude distinguir várias vezes o termo Yahoo que ambos repetiam constantemente e, ainda que me fosse impossível decifrar o significado, enquanto os dois cavalos estavam absorvidos na conversa, procurei articular a palavra; e, quando se calaram, pronunciei Yahoo com atrevimento e em voz alta, imitando o melhor que me era possível o relincho de um cavalo.





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