As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 266 / 339

Aconteceu que certa manhã, muito cedo, o meu dono mandou o criado, o cavalo alazão, procurar-me. Quando entrou, eu estava a dormir profundamente com a roupa caída para um lado e a camisa arregaçada sobre a cintura. O ruído que fez despertou-me e apercebi-me de que ele falava com uma certa perturbação. Voltou para o meu amo e fez-lhe um relato muito confuso do que tinha presenciado. Rapidamente soube o teor desse relato porque, ao saudar, já vestido, o meu amo, este perguntou-me o que queria dizer o criado quando afirmava que eu não tinha o mesmo aspecto a dormir do que acordado; declarava o criado que uma parte do meu corpo era branca, outra amarela ou, pelo menos, não tão branca e outra morena.

Até então pudera guardar segredo quanto às minhas vestes, para estabelecer uma diferença relativamente à maldita raça dos yahoos, mas pareceu-me inútil fingir por mais tempo. Além do mais verifiquei que o meu calçado e vestuário, que já se encontravam muito desgastados, em breve estariam inutilizados; ver-me-ia, pois, na necessidade de arranjar outros com pele de yahoo ou de outro animal e, então, o meu segredo seria posto a descoberto. Por conseguinte, disse a meu amo que, no meu país, os meus congéneres cobriam o corpo com peles de certos animais habilmente confeccionadas, quer por razões de pudor, quer para se protegerem do frio e do calor. E, quanto ao que a mim se referia, estaria pronto a demonstrá-lo de imediato, se assim o ordenasse. Suplicava-lhe apenas que me desculpasse por manter ocultas as partes que a natureza nos indicou para tapar. Disse-me que as minhas palavras, em especial as últimas, eram muito estranhas. Não conseguia perceber por que a natureza nos obrigava a esconder aquilo que nos dera.





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