As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 267 / 339

Acrescentou que nem ele nem ninguém da sua família sentiam vergonha de parte alguma do seu corpo, mas que, apesar disso, fizesse como aprouvesse. Desta forma, comecei por desabotoar a casaca. Procedi de igual modo com o colete, sapatos, coturnos e calças; descaí a camisa até à barriga, enrolando a parte inferior em forma de cinturão para esconder as minhas vergonhas.

O meu amo observou toda a operação com grandes manifestações de interesse e de admiração. Examinou todas as peças de vestuário, uma a uma, com muita atenção; bateu com suavidade no meu corpo e inspeccionou-me de um lado e outro após o que, inapelavelmente, declarou que eu era um verdadeiro yahoo; diferenciava-me, porém, muito dos congéneres pela brancura e suavidade da pele, pela falta de pêlo espesso em determinadas zonas do corpo, pela forma e corte das unhas anteriores e posteriores e pela mania de andar sempre sobre as duas patas traseiras. Como mais nada quisesse ver, autorizou-me a que me vestisse de novo, pois tiritava de frio.

Manifestei-lhe que me era muito penoso que me chamasse yahoo com tanta frequência, esse vil irracional por quem nutria asco e desprezo no maior grau. Supliquei que renunciasse a aplicar-me tal designação e que forçasse a família e os amigos que me visitavam a adoptar idêntico procedimento. Mesmo assim, roguei-lhe que fosse guardado segredo de que o meu corpo tinha uma falsa cobertura, pelo menos enquanto durassem as minhas roupas actuais. Por outro lado, Sua Excelência poderia ordenar ao alazão, que me vira despido, que se mantivesse calado.

O meu amo atendeu devidamente todos estes pedidos. Desta forma, o segredo da minha roupa ficou guardado até ao dia em que ficou completamente inutilizada e tive de substituí-la por diversos meios a que me referirei mais tarde. Entretanto, prosseguia a aprendizagem da língua com a maior aplicação.





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