As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 281 / 339

E como foram, durante toda a sua vida, inimigos da verdade e da justiça, sentem necessidade de favorecer a fraude, o perjúrio e a opressão, a tal ponto que assisti a vários deles recusarem um copioso suborno da parte que tinha a razão, para não insultarem a corpo ração cometendo uma acção em desacordo com a natureza da sua missão.

«É um lugar-comum entre estes advogados que o que foi feito antes pode voltar a fazer-se com legitimidade. Assim anotam com especial cuidado todas as decisões precedentes que vão contra a justiça natural e o senso comum universal. Estas decisões, ou precedentes, são esgrimidas ante as autoridades para justificar as opiniões mais iníquas que os juízes, nos seus veredictos, nunca deixam de ter em conta.

«Ao defender uma causa, evitam com cuidado apresentar argumentos favoráveis; em vez disso, gritam, são violentos e maçadores, insistindo sobre circunstâncias que não vêm ao caso. Por exemplo, na situação anterior, nunca se preocuparão em averiguar o direito que o meu adversário tem sobre a minha vaca, mas antes sobre se a vaca é negra ou às manchas, se tem cornos compridos ou curtos, se o campo onde pasta é redondo ou quadrado, se é ordenhada dentro ou fora do curral, que doenças contraiu e outras coisas do género; após isto, consultam os precedentes, suspendem as sessões de vez em quando e o veredicto é dado dez, vinte ou trinta anos depois.

«Devo indicar que esta corporação possui um jargão próprio, que nenhum outro mortal entende, e em que todas as leis são escritas. Têm especial cuidado em multiplicá-las, de forma que a própria essência do que é a verdade, a mentira, a justiça e a injustiça, se encontram totalmente obscurecidas.





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