As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 285 / 339

Devo dizer, porém, que me vi e desejei para me fazer compreender.

Disse-lhe que não importávamos o vinho do estrangeiro por falta de águá ou de outras bebidas, mas porque era um líquido especial que nos alegrava, fazendo-nos perder a razão; dissipava todos os pensamentos melancólicos, criando nas nossas mentes imagens desordenadas; alimentava as nossas esperanças e dissipava os temores; privava-nos completamente, ainda que de forma transitória, do uso do raciocínio e dos nossos membros até cairmos num profundo sonho. Deve reconhecer-se, contudo, que ao acordarmos nos sentíamos doentes e abatidos e que o hábito desta bebida provocava enfermidades que abreviavam e traziam sofrimento à vida.

Mas, para além de tudo isto, a grande maioria das pessoas trabalha na preparação dos produtos básicos, para consumo geral, e na dos de luxo para os ricos. Para maior clareza da exposição: quando estou no meu país e vestido de modo digno, levo sobre o meu corpo o trabalho de uma centena de artesãos; outros tantos são requeridos para o mobiliário da minha casa; para que a minha mulher se arranje, esse número é multiplicado por cinco.

Tinha o propósito de falar-lhe de outra categoria de pessoas: os que ganham a vida tratando dos enfermos, pois já tivera ocasião de indicar a Sua Excelência que vários dos meus tripulantes tinham morrido de doença. Neste ponto, contudo, encontrei-me em dificuldades quase insuperáveis para fazer-me compreender.

Admitia com facilidade que um houyhnhnm se sentisse fraco e extenuado alguns dias antes de morrer ou se lesionasse um membro num acidente. Ma era-lhe inconcebível que a natureza, que faz tudo perfeito, permitisse a existência de males no nosso corpo; era algo que não entendia e desejava conhecer o motivo.





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