As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 295 / 339

Mas começava a perguntar a si próprio que talvez derivasse do mesmo princípio de avareza que eu atribuía aos homens. Uma vez, a título de experiência, retirara às escondidas um montão dessas pedras do lugar onde um dos seus yahoos as enterrara. Ao verificar a perda do seu tesouro, aquele sórdido animal atraiu com os seus profundos gemidos todo o rebanho, lançou uivos de lástima e mordeu e arranhou os demais. Começou depois a adoecer: recusou-se a comer, dormir ou trabalhar, até que o meu amo restituiu secretamente as pedras ao anterior esconderijo. Quando o yahoo as descobriu, recuperou de imediato o seu bom humor e o ânimo, mas teve o cuidado de levá-las para um esconderijo mais seguro. A partir desse momento voltou a ser um irracional muito útil.

Prosseguindo o assunto, o meu amo assegurou-me (e tive ocasião de comprová-lo) que, nos campos onde estas pedras brilhantes abundam, tinham lugar os mais encarniçados e frequentes combates, provocados pelas incessantes incursões dos yahoos das vizinhanças.

Confirmou que era normal que, se dois yahoos descobriam uma destas pedras num campo e disputavam a sua posse, um terceiro yahoo aparecesse e a levasse. Segundo o meu amo, encontrava nisto uma certa parecença com os nossos processos legais. Quanto à nossa reputação, evitei contradizê-lo. A conclusão a que chegava era muito mais correcta que muitas das nossas sentenças. O defensor e o acusador yahoos apenas perdiam uma pedra, enquanto que os nossos tribunais de justiça nunca encerravam o processo até que as partes fossem despojadas de tudo.





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