A minha mulher e os meus filhos acolheram-me com grande surpresa e alegria, porque me tinham dado como morto. Mas devo confessar com franqueza que a sua presença só me provocou asco, desdém e desprezo, acrescidos pelo facto de estar obrigatoriamente vinculado a eles. Com efeito, apesar de que desde o meu desventurado exílio do país dos houyhnhnms me vira forçado a tolerar a presença de yahoos e a falar com dom Pedro Mendes, a minha memória e imaginação voltavam-se invariavelmente para as virtudes e conceitos daqueles nobres houyhnhnms. E quando comecei a reflectir que, ao copular com uma dos meus congéneres, me tornara pai de mais yahoos, senti-me transido de uma vergonha, confusão e horror supremos.
Logo que entrei em casa, a minha mulher abraçou-me e beijou-me. Por não estar acostumado a contactar animal tão repugnante durante tantos anos, caí desmaiado durante mais de uma hora. Na altura em que escrevo estas linhas, tenho já cinco anos de Inglaterra. Durante o primeiro ano não podia suportar a presença da família: só o seu cheiro se me tornava insuportável; mais ainda quando tinha de comer na mesma sala. Mesmo hoje, não se atrevem a tocar no meu pão, nem a utilizar o meu copo para beberem; nem mesmo sou capaz de autorizar que um deles me pegue na mão. O meu primeiro investimento foi feito na compra de dois cavalos jovens, que albergo num esplêndido estábulo.