As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 333 / 339

Li com muito interesse e prazer, durante a minha juventude, diversos livros de viagens. Mas, desde então, pude percorrer a maior parte das regiões do globo e, graças à minha experiência pessoal, estou em condições de desmentir muitos relatos quiméricos. Tudo isso me provocou uma repulsa generalizada relativamente a esta literatura de viagens e bastante indignação ao comprovar de que modo tão descarado se abusa da credulidade humana. Por conseguinte, posto que os meus amigos tiveram a amabilidade de acreditar que os meus pobres esforços não hão-de ser inúteis para a minha nação, impus a mim próprio como norma, da qual nunca me afastarei, sujeitar-me rigorosamente à verdade. Bastaria, de resto, para afastar-me de qualquer tentação, recordar os ensinamentos e os exemplos de meu nobre amo e dos outros ilustres houyhnhnms, de quem tive a honra de ser tanto tempo humilde ouvinte. Nec si miserum Fortuna Sinonem Finxit, vanum etiam mendacemque improba finget.

Sei demasiado bem o pouco impacto que hão-de produzir os relatos que não exigem talento ou saber nem qualquer outra qualidade que não seja uma boa memória e fixação de pormenores num diário. Sei, também, que os escritores de viagens, como os lexicógrafos, desaparecem no esquecimento pelo volume e peso dos que os seguem e neles se fundamentam. É muito provável que os viajantes que um dia venham a visitar os países descritos no meu livro possam, ao descobrir os meus erros se os houver e ao trazer a público novas e numerosas descobertas pessoais, fazer-me passar de moda e ignorar-me, levando a que as pessoas se esqueçam totalmente de mim como autor. Na verdade, isto seria um pensamento demasiado mortificante, se escrevesse em busca de glória; mas como apenas anseio o bem público, tal possibilidade não me apoquenta.





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