As Viagens de Gulliver - Cap. 6: Capítulo IV Pág. 334 / 339

Pois quem pode ler a referência das virtudes dos nobres houyhnhnms sem não se envergonhar dos seus próprios vícios, ao ver-se a si próprio como animal racional e primordial neste país? Nada direi dos remotos países onde governam os yahoos; deles, os menos corruptos são os brobdingnagianos, dado que a observação das suas sábias máximas de moralidade e de política nos trariam bem-estar. Mas não quero prosseguir. Prefiro que o leitor judicioso reflicta e extraia as necessárias ilações.

Sinto um certo prazer ao apresentar uma obra que estará isenta de ticas. Pois que objecções se podem fazer a um escritor que apenas se 'ta a relatar factos ocorridos em países tão longínquos, onde não tenho interesses comerciais ou diplomáticos? Procurei limar cuidadosamente todas as deficiências que poderiam provocar legítima censura e que são frequentes nos vulgares escritores de viagens. Acresce ainda que não minimamente ligado a qualquer partido. Escrevo sem paixão, preconceito ou má vontade contra quem quer que seja, indivíduo ou grupo social. Escrevo com a mais nobre das finalidades: para informar e instruir a humanidade, sobre a qual sem presunção posso alardear superioridade graças à vantagem derivada dos meus prolongados contactos com os perfeitíssimos houyhnhnms. Não escrevo por lucro ou fama. Não permiti o mínimo deslize vocabular que originasse má interpretação ou provocasse ofensa à mais susceptível das pessoas. Julgo assim poder considerar-me, com justeza, um autor perfeitamente irrepreensível, contra quem a horda de rezingões, pensadores, observadores, meditadores, conservadores e críticos será incapaz de encontrar campo de acção onde exercitar as suas habilidades.





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