As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 52 / 339

E assim, pela primeira vez, comecei a dar-me conta da imperfeição das cortes e dos seus ministros.

Tenho de frisar que aqueles embaixadores e eu nos comunicávamos através de um intérprete, uma vez que as línguas de ambos os impérios diferiam tanto como duas europeias entre si. Cada nação orgulhava-se da antiguidade, beleza e força dos seus respectivos idiomas, patenteando um claro desdém quanto aos dos seus vizinhos. No entanto, o nosso imperador, apoiando-se na vantagem adquirida pela captura da frota inimiga, obrigou os embaixadores de Blefuscu a apresentar as suas credenciais e a pronunciar os seus discursos na língua liliputiana. Deve dizer-se que, devido à relação comercial entre ambos os reinos, à mútua e contínua chegada de exilados de ambos os lugares e ao uso comum de se enviarem os jovens nobres e os ricos ao outro país para próprio aperfeiçoamento, vendo mundo e tendo contacto com outros povos e outros costumes, havia poucas pessoas importantes, comerciantes, marinheiros e habitantes das zonas costeiras que não conhecessem as duas línguas. Isto descobri-o pouco tempo depois, quando fui apresentar as minhas saudações ao imperador de Blefuscu, acontecimento que teve, como em momento oportuno relatarei, um feliz epílogo.

O leitor poderá recordar que, quando assinei as cláusulas da minha libertação, algumas havia que me desagradavam por serem demasiado servis e relativamente às quais, se não me tivesse encontrado em situação de extrema necessidade, nunca me teria submetido. Mas sendo agora um nardac, a mais elevada dignidade daquele império, tais imposições estavam abaixo dessa honra e, em boa verdade, o imperador nunca me as mencionou.





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