As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 57 / 339

E uma vez que é necessária a existência de uma relação contínua de compra-venda e de crédito, se se tolera ou encobre a fraude, ou se não houver lei que a castigue, arruína-se o comerciante honrado e beneficia-se o infractor. Recordo que, em certo momento, intercedi ante o monarca por um criminoso que se apropriara de uma importante soma que o seu amo lhe confiara, tendo empreendido a fuga. Acontece que disse a Sua Majestade, em modo de lenitivo, que o caso era, no máximo, um abuso de confiança. O imperador considerou monstruoso que eu apresentasse como alegação a circunstância mais agravante de todas. Na verdade, pouco mais pude replicar excepto a consideração de que cada povo tem os seus usos. Confesso que fiquei profundamente envergonhado.

Ainda que a recompensa e o castigo sejam os eixos sobre os quais gira qualquer regime, nunca vi porem este preceito em prática em qualquer nação, excepto em Lilliput. Quem quer que demonstre ter observado rigorosamente as leis do país durante setenta e três luas, tem direito a certos privilégios, de acordo com a sua posição e condições de vida; torna-se também merecedor de uma soma proporcional de dinheiro, proveniente de um fundo especial disposto para este fim. Obtém, além disto, o título de Snilpalou Legal, que se agrega ao nome, mas que não será herdado pelos descendentes. Quando lhes disse que as nossas leis previam unicamente punições, sem qualquer referência a recompensas, aquela gente considerou isso um defeito enorme do sistema. Por tal razão, a imagem da Justiça é representada nos tribunais com seis olhos: dois para diante, igual número para trás, e um de cada lado, o que representa ponderação. Traz igualmente urna bolsa de ouro aberta na mão direita e, à esquerda, uma espada embainhada, para demonstrar que está mais disposta a premiar que a punir.





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