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Capítulo 36: CAPÍTULO XXXV - Em que se trata da grande e descomunal batalha que teve D. Quixote com uns odres de vinho tinto, e se dá fim à novela do curioso impertinente.

Página 391
As pernas eram esguias e fracas, cheias de felpa, e nada limpas. Tinha na cabeça um barretinho vermelho e surrado pertencente ao vendeiro; no braço esquerdo enrodilhada a manta da cama, cenreira de Sancho, por motivos que ele muito bem sabia; e na direita floreava a espada nua, atirando cutiladas para todas as bandas, dando vozes como se realmente estivera pelejando com algum gigante. E o bonito era que estava com os olhos fechados, porque realmente dormia sonhando andar em batalha com o gigante.

Tão intensa havia sido a apreensão da aventura que ia acabar, que o fez sonhar achar-se já no reino de Micomicão e a braços com o seu adversário; e tantas cutiladas tinha assentado nos odres, supondo descarregá-las no gigante, que todo o quarto era um lagar de vinho.

Logo que o vendeiro tal presenciou, encheu-se de tamanha cólera, que arremeteu com D. Quixote, e com os punhos fechados lhe começou a chover tantos murros, que, se Cardênio e o cura lho não tiram das mãos, a guerra do gigante se acabava ali para todo sempre. Pois nem com tudo aquilo acordava o pobre cavaleiro.

O que valeu foi acudir o barbeiro com uma caldeira de água fria do poço, atirando-lha para cima de chapuz. Com isso é que o fidalgo despertou; mas, ainda assim tão pouco em si, que não reparou na lástima em que se achava.

Dorotéia, que tinha logo enxergado o como ele estava vestido à curta, não quis entrar a ver a batalha do seu defensor com o seu inimigo.

Andava Sancho buscando a cabeça do gigante por toda a casa; como não a achava, disse:

— Está visto que tudo aqui é encantamento: da outra vez, neste mesmo lugar em que me acho, apanhei um chuveiro de pancadaria e socos por estas ventas, sem saber quem fosse o das mãos rotas, nem ver alma viva; e agora vejo com estes cortar a cabeça e correr sangue do corpo como de um chafariz, e tal cabeça não aparece.

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pág. 391 (Capítulo 36)

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Capa do livro Dom Quixote de La Mancha – Livro Primeiro
Páginas: 590
Página atual: 391

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
PRÓLOGO 1
AO LIVRO DE D. QUIXOTE DE LA MANCHA 10
PRIMEIRA PARTE / LIVRO PRIMEIRO / CAPÍTULO I - Que trata da condição e exercício do famoso fidalgo D. Quixote de La Mancha. 15
CAPÍTULO II - Que trata da primeira saída que de sua terra fez o engenhoso D. Quixote. 21
CAPÍTULO III - No qual se conta a graciosa maneira que teve D. Quixote em armar-se cavaleiro. 28
CAPÍTULO IV - Do que sucedeu ao nosso cavaleiro saindo da venda. 36
CAPÍTULO V - Em que se prossegue a narrativa da desgraça do nosso cavaleiro. 44
CAPÍTULO VI - Da curiosa e grande escolha que o padre cura e o barbeiro fizeram na livraria do nosso engenhoso fidalgo. 49
CAPÍTULO VII - Da segunda saída do nosso bom cavaleiro D. Quixote de la Mancha. 57
CAPÍTULO VIII - Do bom sucesso que teve o valoroso D. Quixote na espantosa e jamais imaginada aventura dos moinhos de vento, com outros sucessos dignos de feliz recordação. 63
LIVRO SEGUNDO / CAPÍTULO IX - Em que se conclui a estupenda batalha que o galhardo biscaínho e o valente manchego tiveram. 73
CAPÍTULO X - Graciosas práticas entre D. Quixote e seu escudeiro Sancho Pança. 79
CAPÍTULO XI - Do que a D. Quixote sucedeu com uns cabreiros. 85
CAPÍTULO XII - Do que referiu um cabreiro aos que estavam com D. Quixote. 92
CAPÍTULO XIII - Em que se dá fim ao caso da pastora Marcela, com outros sucessos. 100
CAPÍTULO XIV - Onde se põem os versos desesperados do pastor defunto, com outros imprevistos sucessos. 111
LIVRO TERCEIRO / CAPÍTULO XV - Em que se conta a desgraçada aventura, que a D. Quixote ocorreu com uns desalmados iangueses. 121
CAPÍTULO XVI - Do que sucedeu ao engenhoso fidalgo na venda que ele imaginava ser castelo. 130
CAPÍTULO XVII - Em que se prosseguem os inumeráveis trabalhos, que o bravo D. Quixote e seu escudeiro Sancho Pança passaram na venda, que o fidalgo por seu mal cuidara ser castelo. 139
CAPÍTULO XVIII - Onde se contam as razões que passou Sancho Pança com seu senhor D. Quixote com outras aventuras dignas de ser contadas. 149
CAPÍTULO XIX - Das discretas razões que Sancho passava com o amo e da aventura que lhes sucedeu com um defunto, e outros acontecimentos famosos. 161
CAPÍTULO XX - Da nunca vista nem ouvida aventura que jamais cavaleiro algum famoso no mundo acabou, e a concluiu, quase sem perigo, D. Quixote de la Mancha. 170
CAPÍTULO XXI - Que trata da alta aventura e preciosa ganância do elmo de Mambrino, com outras coisas sucedidas ao nosso invencível cavaleiro. 186
CAPÍTULO XXII - Da liberdade que D. Quixote deu a muitos desafortunados, que iam levados contra sua vontade onde eles por si não quereriam ir. 200
CAPÍTULO XXIII - Do que ao famoso D. Quixote sucedeu em Serra Morena, que foi uma das mais raras aventuras coutadas nesta verdadeira história. 213
CAPÍTULO XXIV - Em que se prossegue a aventura da Serra Morena. 227
CAPÍTULO XXV - Que trata das estranhas coisas que em Serra Morena sucederam ao valente cavaleiro da Mancha, e da imitação que fez da penitência de Beltenebrós. 238
CAPÍTULO XXVII - De como se houveram o cura e o barbeiro, com outras coisas dignas de ser contadas nesta grande história. 266
LIVRO QUARTO / CAPÍTULO XXVIII - Que trata da nova e agradável aventura sucedida na mesma serra ao cura e ao barbeiro. 285
CAPÍTULO XXIX - Que trata do gracioso artifício e ordem que se teve em tirar o nosso amorado cavaleiro da muito áspera penitência em que se havia posto. 302
CAPÍTULO XXX - Que trata da discrição da formosa Dorotéia, com outras coisas de muito sabor e passatempo. 316
CAPÍTULO XXXI - Das saborosas conversações que houve entre D. Quixote e o seu escudeiro com outros sucessos. 328
CAPÍTULO XXXII - Que trata do que na venda sucedeu a todo o rancho de D. Quixote. 339
CAPÍTULO XXXIII - Onde se conta a novela do curioso impertinente. 347
CAPÍTULO XXXIV - Em que se prossegue a novela do curioso impertinente. 369
CAPÍTULO XXXV - Em que se trata da grande e descomunal batalha que teve D. Quixote com uns odres de vinho tinto, e se dá fim à novela do curioso impertinente. 390
CAPÍTULO XXXVI - Que trata de outros sucessos raros que na taverna sucederam. 401
CAPÍTULO XXXVII - No qual se prossegue com a história da famosa infanta de Micomicão, e de outras graciosas aventuras. 415
CAPÍTULO XXXVIII - Em que se continua o discurso que fez D. Quixote sobre as armas e as letras. 429
CAPÍTULO XXXIX - Onde o cativo conta a sua vida e sucessos dela. 435
CAPÍTULO XL - No qual se conta a história do cativo. 446
CAPÍTULO XLI - No qual o cativo continua a sua história. 461
CAPÍTULO XLII - Em que se trata do mais que sucedeu na estalagem, e de outras coisas dignas de serem conhecidas. 485
CAPÍTULO XLIII - Onde se conta a agradável história do moço das mulas com outros estranhos sucessos acontecidos na venda. 494
CAPÍTULO XLIV - Onde se prosseguem os inauditos sucessos da venda. 505
CAPÍTULO XLV - Onde se acaba de averiguar a dúvida do elmo de Mambrino e da albarba, e de outras aventuras sucedidas com toda a verdade. 515
CAPÍTULO XLVI - Da notável aventura dos quadrilheiros, e da grande ferocidade do nosso bom cavaleiro D. Quixote. 524
CAPÍTULO XLVII - Do modo estranho como foi encantado D. Quixote de la Mancha, com outros sucessos. 534
CAPÍTULO XLVIII -Onde prossegue o cônego no assunto dos livros de cavalaria, com outras coisas dignas do seu engenho. 545
CAPÍTULO XLIX - Onde se trata do discreto colóquio que Sancho Pança teve com seu amo D. Quixote. 554
CAPÍTULO L - Das discretas altercações que D. Quixote e o cônego tiveram, com outros sucessos. 563
CAPÍTULO LI - Que trata do que contou o cabreiro a todos os que levavam D. Quixote. 571
CAPÍTULO LII - Da pendência que teve D. Quixote com o cabreiro, com a rara aventura dos penitentes, a que felizmente deu fim à custa do seu suor. 578