estava, e somente sairá deste seu estado desgraçado, e porventura medrará alguma coisa, se houver muitos encontros e batalhas com os inimigos, e se em todos estes arriscados lances sair vencedor; mas esta qualidade de milagres raras vezes aparece. Mas dizei-me, meus senhores, se bem o tendes considerado, não são os premiados e gananciosos na guerra muito menos que os que morreram nela? Sem dúvida me respondereis que não há aqui comparação possível de fazer-se, pois se não pode formar jamais essa conta exata dos mortos na guerra, enquanto que dos que escaparam vivos e alcançaram prêmios e distinções a lista se poderá compor com três algarismos apenas. Tudo isto sucede duma maneira contrária entre os letrados, os quais com mais ou menos abundância sempre têm de que sustentar-se e não padecem as inclemências que perseguem os militares, e por isso claramente se vê, que o trabalho do soldado é muito maior e o prêmio muito mais pequeno. Bem sei, que a isto se pode responder, que é mais fácil premiar a dois mil letrados do que a trinta mil soldados, porque aqueles premeiam-se dando-lhes empregos, que são exclusivamente próprios da sua profissão, e estes somente podem premiar-se com as fazendas e bens do senhor a quem servem, prêmio, cuja impossibilidade fortifica mais a razão do meu dito; porém deixemos este ponto, que é labirinto de dificultosíssima saída, e voltemos à preeminência das armas sobre as letras, matéria ainda hoje em dia mal averiguada por causa das razões que se apresentam pró e contra, duma e doutra parte.
Ouçamos o que dizem as letras quando afirmam que sem elas não podem as armas sustentar-se, porque também a guerra tem as suas leis, às quais está sujeita, e que estas leis devem pertencer à inspeção das letras