Capítulo 51: CAPÍTULO L - Das discretas altercações que D. Quixote e o cônego tiveram, com outros sucessos.
Página 564
a Deus e à sua dama, se arroja ao meio do refervente lago, e quando mal se precata e mal sabe aonde irá parar, se encontra no meio duns floridos campos, que deixam os Elísios a perder de vista? Ali lhe parece que é mais transparente o céu e que o sol brilha com mais vívida luz; oferece-se-lhe aos olhos uma aprazível floresta composta de viçosas e frondosas árvores, que lhe alegra a vista com o seu verdor, e lhe afaga os ouvidos com o doce e não ensinado canto dos infinitos, pequenos e matizados passarinhos, que volteiam na intrincada ramaria. Aqui descobre um arroio, cujas frescas águas, que parecem líquidos cristais, correm sobre tênues areias e brancas pedrinhas, que se assemelham a ouro em pó e a puríssimas pérolas. Acolá vê uma fonte artisticamente construída com mármore liso e pintalgado jaspe; outra mais adiante ordenada a brutesco, onde as conchinhas dos mariscos e as retorcidas casas brancas e amarelas dos caracóis, engastadas em aparente mas bem disposta desordem, e mescladas com luzentes cristais e finíssimas esmeraldas, formam um variado lavor; de maneira que a arte, imitando a natureza, parece aqui vencê-la. Eis de súbito se lhe descobre um forte castelo ou um vistoso alcáçar, cujas muralhas são de ouro maciço, de diamantes as ameias, e as portas de jacintos, e, finalmente, de tão admirável arquitetura que, apesar de serem diamantes, escarbúnculos, ouro, pérolas, rubins e esmeraldas, os materiais que o formam, ainda o feitio é de mais estimação; e depois de ter visto tamanhas maravilhas, não é dobrado encanto ver sair pela porta do castelo um grande número de donzelas, cujos trajos vistosos e gentis, se eu me pusesse agora a descrevê-los como as histórias os contam, me dariam largo assunto; e vir logo a principal
|