Histórias Extraordinárias - Cap. 1: MÃO ESCURA Pág. 11 / 136

- Chegar-me-ão para lhe fornecer uma explicação deste caso extraordinário, tanto quanto estou à altura de explicar o que é por essência inexplicável. Em primeiro lugar, quando lhe disser que desde há quatro anos nunca passei uma noite, quer em Bombaim, quer a bordo do barco, quer em Inglaterra, sem ter tido o meu sono perturbado por este indivíduo, compreenderá por que me transformei num farrapo. O seu programa não varia. Aparece ao lado da minha cama, sacode-me com rudeza pelo ombro, passa do quarto para o laboratório, passeia lentamente em frente da minha fila de bocais, depois desaparece. Escutou isto pelo menos mil vezes.

- Que lhe reclama ele?

- A mão.

- A mão?

- Sim. Há uma dezena de anos fui chamado para uma consulta em Peshawar; durante a minha permanência, pediram-me para observar a mão de um indígena que atravessara a cidade com uma caravana afegã. Era originário de uma tribo das montanhas que vivia ao longe, no outro lado do Cafiristão, e falava um dialecto quase ininteligível. Apresentava uma tumefacção sarcomatosa numa das junturas metacárpicas e tentei fazer-lhe compreender que só poderia salvar a sua vida com o sacrifício da mão. Custou-me muito convencê-lo; finalmente, consentiu na operação. Uma vez terminada, perguntou-me quanto me devia. O pobre diabo era quase um mendigo, não estava em causa reclamar-lhe honorários. Mas respondi-lhe a brincar que me contentaria com a sua mão, e que tencionava acrescentá-la à minha colecção patológica.

"Para minha grande surpresa, opôs-me inúmeras objecções. Explicou-me que, para a sua religião, era muito importante que o corpo fosse reunido depois da morte a fim de servir de habitação perfeita ao espírito. Esta crença é, como sabe, muito antiga, e as múmias dos Egípcios procedem de uma superstição análoga.





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