Histórias Extraordinárias - Cap. 3: O PARASITA Pág. 67 / 136

Recordo-me de que lhe aconteceu passar uma só vez a mão pelos meus cabelos como quando se acaricia um cão, e a carícia agradou-me.

Estremeci.

Tornei-me o seu escravo de corpo e alma e nesse momento regozijei-me com a minha escravidão.

Nessa altura ocorreu a feliz alteração. Que nunca mais afirmem que não existe Providência. Encontrava-me mesmo à beira da ruína, os meus pés prestes a resvalarem para o abismo.

Terá sido por simples coincidência que o socorro me apareceu então, neste preciso momento.

Não, não, é porque existe uma Providência, e foi a sua mão que me puxou para trás.

Há no universo algo de mais poderoso do que esta demónia com todas as suas artimanhas.

Ah, que bálsamo para o meu coração pensar assim.

Quando levantei a vista para ela, apercebi-me de uma mudança em vias de acontecer.

O rosto que até então estivera pálido, tornara-se macilento. Os olhos estavam tristes; as pálpebras descaíam pesadamente; e sobretudo o ar de serena confiança sumira-se-lhe da fisionomia. A boca tinha perdido a firmeza; a testa como que encolhera.

Parecia apavorada, hesitante.

E enquanto contemplava esta mudança senti no meu espírito uma espécie de vacilação. Pôs-se a lutar como se tentasse violentamente arrancar-se ao abraço que o prendia abraço que perdia força em cada minuto.

- Austin - disse ela a meia voz -, fui demasiadamente presunçosa. Não era assim tão forte. Ainda não recuperei da minha doença. Mas não podia viver mais tempo sem o ver. Não vai deixar-me, Austin! É uma fraqueza passageira. Dê-me só cinco minutos e terei voltado a ser eu própria. Passe-me a garrafinha que está na mesa junto da janela.

Mas eu tinha recuperado a posse da minha alma.

À medida que a força se extinguia nela, a influência dissipava-se à minha volta e senti-me libertado.





Os capítulos deste livro