Tornei-me agressivo. Fui-o com amargura, com raiva. Pelo menos uma vez pude fazer compreender a esta mulher quais eram os meus verdadeiros sentimentos a seu respeito.
A minha alma transbordava de um ódio tão bestial como o amor contra o qual ela servia de reacção. Era o arrebatamento selvagem, chacinador, do servo revoltado.
Teria sido capaz de agarrar na muleta que ela tinha ao lado e de desfigurar-lhe o rosto.
Pôs as mãos à frente como para se defender de uma pancada e, recuando diante de mim, deixou-se cair numa ponta do canapé.
- A aguardente! A aguardente! - disse numa voz estranha.
Peguei na garrafa e esvaziei-a nas raízes de uma palmeira que estava na janela.
Depois, arranquei-lhe a fotografia das mãos e rasguei-a em mil pedaços.
- Mulher vil! - disse eu. - Se fizesse o meu dever para com a sociedade não sairia viva deste quarto.
- Amo-o, Austin, amo-o - gemeu ela.
- Sim - exclamei -, como já amou Charles Sadler. E quantos outros antes dele!
- Charles Sadler - disse ela muito ofegante - falou consigo? Ah', Charles Sadler, Charles Sadler!
A voz escapara-se-lhe, através dos lábios brancos, como o assobio de uma serpente.
- Sim, conheço-a e outros hão-de conhecê-la também. Impudente criatura. Sabia qual a minha situação. E apesar disso usou o seu terrível poder para trazer-me para junto de si. Poderá fazê-lo novamente, mas pelo menos há-de lembrar-se de me ter ouvido dizer que amo miss Marden do fundo do coração e que me inspira repugnância, horror. Simplesmente vê-la, o som da sua voz chega para me encher de ódio e de repulsa. Só de pensar em si o meu coração revolta-se. Aqui tem o que sinto a seu respeito e se lhe agradar atrair-me mais uma vez para junto de si com artimanhas, como fez esta noite, não sentirá prazer, suponho, a tornar seu amante um homem que lhe disse o que pensava realmente de si.