Que importam em questões inacessíveis à razão, essas novelas criadas por nossas incertas imaginações? Que importa que os pais da Igreja dos quatro primeiros séculos acreditassem que a alma era corporal? Que importa que Tertuliano, contradizendo-se, decidisse que a alma é corporal, figurada e simples ao mesmo tempo? Teremos mil testemunhos de nossa ignorância, porém nem um só oferece vislumbre da verdade.
Como nos atrevemos a afirmar o que é a alma? Sabemos com certeza que existimos, que sentimos e que pensamos. Desejamos ir mais além e caímos em abismo. Submergidos nesse abismo, todavia se apodera de nós a louca temeridade de questionar se a alma, da qual não temos a menor ideia, se criou antes que nós ou ao mesmo tempo que nós, e se perece ou é imortal.
A alma e todos os artigos que são metafísicos, devem ser submetidos sinceramente aos dogmas da Igreja, porque sem dúvida a revelação vale mais que toda a filosofia. Os sistemas exercitam o espírito, porém a fé o alumia e o guia.
Com frequência pronunciamos palavras sobre as quais temos ideia muito confusa, e algumas vezes ignoramos o significado. Não está neste caso a palavra alma? Quando a lingueta ou válvula de um fole está estragado e o ar que entra no ventre do fole sai por algumas das aberturas que tem a válvula, e este não está comprimido pelas duas paletas, e não sai com a violência que se necessita para atiçar o fogo, as criadas dizem: – Está descomposta a alma do fole. Não sabem mais, e essa questão não turva sua tranquilidade. O jardineiro fala da alma das plantas, e as cultiva bem, sem saber o que significa esta palavra.