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Capítulo 2: II - Dom Bibas

Página 12

Este motivo era uma bruxaria, um feitiço inexplicável, uma fascinação irresistível, que em todos aqueles espíritos um único homem produzia. Cousa incrível, por certo, mas verdadeira como a própria verdade. Palavra de romancista! E não era lá nenhum grande homem: era um vulto de pouco mais de quatro pés de altura; feio como um judeu; barrigudo como um cónego de Toledo; imundo como a consciência do célebre arcebispo Gelmires, e insolente como um vilão de beetria. Chamava-se de seu nome Dom Bibas. Oblato do Mosteiro de D. Muma, quando chegou à idade, que se diz da razão, por ser a das grandes loucuras, achou que não era feito para ele o remanso da vida monástica. Atirou às malvas o hábito, a que desde o berço o tinham condenado: e, ao cruzar a porta do ascetério, escarrou ali em peso o latim com que os monges começavam a empeçonhentar-lhe o espírito. Depois, sacudindo o pó das suas sapatas, voltou-se para o mui reverendo porteiro, e por um esforço sublime de abnegação atirou-lhe à cara com toda a ciência hebraica, que tinha alcançado naquela santa casa, gritando-lhe com uma visagem de escárnio: raca maranata, raca maranata – e desaparecendo após isso, como a zebra perseguida desaparecia naqueles tempos aos olhos dos monteiros nas florestas do Gerês. Não referiremos aqui a história da solta mocidade do nosso oblato. Por meses a sua vida foi uma destas vidas como era comummente naquela época, e o é ainda hoje, a do homem do povo que, a não ser nos claustros, tentava cravar os dentes no pomo vedado ao pobre – a aristocrática mandriice; uma vida inexplicável e milagrosa; uma vida, na qual ao dia folgado de fartura e beberronia impensadas seguiam muitos de perfeita abstinência. A miséria, porém, criou-lhe uma indústria: Dom Bibas começou a sentir em si as inspirações de trovista e os garbos de folião: pouco a pouco a sua presença tornou-se tão desejada nas tabernas do burgo, como as cubas de boa cerveja, então bebida trivial, ou antes tão agradável como os eflúvios do vinho, que naquela época ainda escasseava algum tanto nas taças dos peões. A fama de Dom Bibas tinha subido a altura incomensurável, quando o conde Henrique assentou sua corte em Guimarães. Felizmente para o antigo oblato, o bufão que o príncipe francês trouxera de Borgonha, lançado entre estranhos, que mal entendiam seus motejos, conhecera que era uma palavra sem sentido neste mundo.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 12

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173