– Não to aconselho. Se morreres, Egas te seguirá ao sepulcro.
– E se Garcia de novo recusar a posse da sua vítima? – interrompeu a infeliz, procurando ainda segurar-se na borda do abismo.
– Egas morrerá – respondeu tranquilamente Fernando Peres.
– Vós, homem bárbaro, jurastes perder o desgraçado. Por violência nunca o generoso Garcia aceitará a minha mão.
– Por violência? – interrompeu o conde em tom de espanto. – Violento-te eu? Quero esquecer-me do meu ódio por amor de ti: tu não queres esquecer-te de uma paixão louca e impossível. Eis a que tudo se reduz. Cede, e Egas será salvo. Direi a Garcia que te arrependes dos teus desprezos; que queres ser sua. Se as tuas palavras, se o teu gesto não desmentirem meu dito ele será feliz; e Egas, livre e persuadido de que o traíste, breve se esquecerá de ti. Faço a ventura de três; é por isso que me chamas bárbaro?
Dulce parecia sufocada: o arquejar do seio da infeliz soava como o de um moribundo. Foi o som que se ouviu por alguns momentos sussurrar nos seus lábios. Finalmente com a energia da última desesperação, que simula a tranquilidade, disse em voz submissa e lenta, mas firme:
– Serei mulher de Garcia Bermudes... Depois!...
– Depois o que aprouver a Deus e à Virgem Maria – respondeu o conde alçando os olhos devotamente e apontando para o céu.
O malvado saíra com seu intento. Voltou as costas a Dulce, e desapareceu na escuridão do longo corredor que dava para a sala do conselho e para a sala de armas.
Nessa mesma tarde o muito valente e gentil cavaleiro Garcia Bermudes tinha recebido por sua mulher de bênção na capela dos paços de Guimarães a mui formosa e rica dama D. Dulce, senhora do solar e préstamos dos Bravais. Um banquete de boda estava preparado para festejar os noivos. O aposento destinado para a festa se atulhara de donas, donzelas e cavaleiros. Faltava apenas D. Teresa e o conde. Este finalmente chegou, conduzindo pela mão a rainha até ela se assentar no estrado real. Depois, o conde desceu e veio tomar o seu lugar. Apenas se assentou, chamou o pajem Tructesindo, que estava em pé atrás da sua cadeira de espaldar, e disse-lhe:
– Corre, e vai perguntar ao vílico do castelo se está bem segura a ameia do ângulo do norte na torre alvarrã, e se ele tem puída e pronta a boa corda de cânave de quatro ramais.