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Capítulo 7: VII - O homem do zorame

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E de feito havia anoitecido: os paços começavam a iluminar-se, e os candelabros e tochas vertiam através das frestas e balcões dos aposentos reais uma luz brilhante, cujos raios batiam de chapa no vulto rebuçado do mensageiro. O cavaleiro e o monge olhavam fitos para ele. Depois Gonçalo Mendes disse algumas palavras ao ouvido de Fr. Hilarião, e prosseguiu o seu interrogatório:

– Para onde, pois, te diriges? – disse ele ao desconhecido, hesitando, e como quem já a custo continha na alma bem diversos pensamentos.

– Para onde Egas Moniz – respondeu com veemência o homem do zorame – cria que eu vos encontrasse, meu senhor cavaleiro: para o campo de D. Afonso. Peão como sou, irei pelejar por ele, que é meu senhor natural. Que os ricos-homens folguem entretanto nos paços onde estranhos governam, onde D. Teresa se esquece de que o infante é filho de D. Henrique.

Então Gonçalo Mendes, fazendo recuar o capuz que cobria a cabeça do suposto mensageiro, olhou para ele alguns instantes. À luz nocturna que o alumiava reconheceu-o então. As suas vivas suspeitas se haviam realizado.

– Egas! Egas! – exclamou, apertando-o ao peito – pensavas que o som da tua voz podia nunca esquecer-me? Como ousaste assim entrar em Guimarães; tu, sobrinho do senhor de Cresconde; tu, um dos da linhagem de Riba de Douro?... Para quê esta carta cruel que veio arrancar lágrimas ao bom Fr. Hilarião, que te ama como um filho? Cria-te ainda na Síria.

– De lá cheguei há poucos dias – respondeu o mancebo, lançando um dos braços à roda do pescoço do velho monge, que tentava também abraçá-lo chorando, mas de contentamento. – Às primeiras novas de que o infante e os infanções de Portugal tentavam sacudir o jugo do conde de Trava dirigi-me ao arraial de D. Afonso que se encaminhava para aqui. Lá o teu nome era afrontado com o título de desleal pelos teus inimigos. Estavas em Guimarães: as aparências condenavam-te, e o meu coração padecia. Vim pois dizer-te: «Lidador, é tempo de combater!» Queria, porém, saber primeiro se as minhas palavras tinham na tua alma a mesma força que dantes; queria saber se a tua amizade havia expirado como o amor de Dulce, que eu já sabia se esquecera de mim: foi para isso esta carta. Sei agora ao certo que ainda te posso dar o suave nome de amigo; sei enfim que amizade dura mais que o amor. Vós – acrescentou ele voltando-se para o monge – perdoais-me por certo a mágoa que vos causei!

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 62

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173