– Deixe-o ficar, João da Cruz… vamos embora…
– Isso! – acudiu o ferrador – Chame-me João da Cruz!… para este maroto ficar bem certo de que sou o João da Cruz!… Com efeito, não sei o que me parece vossa senhoria querer deixar com vida uma alma do diabo que lhe deu um tiro para o matar.
– Pois sim, tem você razão; mas eu não sei castigar miseráveis que me não resistem.
– E se ele o tivesse matado, castigava-o? Responda a isto, senhor doutor.
– Vamos embora – tornou Simão –, deixemos para aí esse miserável.
Mestre João cismou alguns momentos, coçando a cabeça, e resmungou com descontentamento:
– Vamos lá… Quem o seu inimigo poupa, nas mãos lhe morre.
Tinham já saído do plaino e saltado a tapada, e iam descendo para a estrada, quando o ferrador exclamou:
– Lá me ficou a minha clavina encostada à sebe. Vão indo, que eu venho já.
O arrieiro conduzia o cavalo, que pacificamente estivera tosando a relva das paredes marginais da estrada, quando Simão ouviu gritos. Conjecturou com certeza o que era.
– O João lá está a fazer justiça! – disse o arrieiro. – Deixá-lo lá, meu amo, que ele é homem que sabe o que faz.
João da Cruz apareceu daí a pouco, limpando com fieitos o podão ensanguentado.
– Você é cruel, Sr. João – disse o académico.
– Não sou cruel – disse o ferrador –, o fidalgo está enganado comigo; é que, diz lá o ditado, morrer por morrer, morra meu pai que é mais velho. Tanto faz matar um como dois. Quando se está com a mão na massa, tanto faz amassar um alqueire como três. As obras devem ser acabadas, ou então o melhor é não se meter a gente nelas. Agora, levo a minha consciência sossegada. A justiça que prove, se quiser; mas não há-de ser porque lho digam aqueles dois que eu mandei de presente ao Diabo.
Simão teve um instante de horror do homicida, e de arrependimento de se ter ligado com tal homem.