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Capítulo 10: Capítulo 10

Página 144

Não se podia consolar de viver em Leiria, de não poder beber o seu quartilho na taberna do tio João, à Mouraria, com a Ana Alfaiata ou com o Bigodinho - ouvindo o João das Biscas de cigarro ao canto da boca, o olho choroso meio fechado pelo fumo do tabaco, fazer chorar a guitarra dizendo a morte da Sofia!

Depois, para se reconfortar com a certeza do seu talento, lia a João Eduardo os seus artigos, muito alto. E João interessava-se - porque essas "produções", sendo ultimamente sempre "desandas ao clero", correspondiam às suas preocupações.

Era por esse tempo que, em virtude da famosa questão da Misericórdia, o doutor Godinho se tomara muito hostil ao cabido e à padraria. Sempre detestara padres; tinha uma má doença de fígado, e como a Igreja o fazia pensar no cemitério, odiava a sotaina, porque lhe parecia uma ameaça da mortalha. E Agostinho que tinha um profundo depósito de fel a derramar, instigado pelo doutor Godinho, exagerava as suas verrinas: mas, com o seu fraco literário, cobria o vitupério de tão espessas camadas de retórica que, como dizia o cônego Dias, "aquilo era ladrar, não era morder!"

Uma dessas noites João Eduardo encontrou Agostinho todo entusiasmado com um artigo que compusera de tarde, e que lhe "saíra cheio de piadas à Vítor Hugo!"

- Tu verás! Coisa de sensação!

Como sempre, era uma declamação contra o clero e o elogio do doutor Godinho. Depois de celebrar as virtudes do doutor, "esse tão respeitável chefe de família" e a sua eloquência no tribunal que "arrancara tantos desventurados ao cutelo da lei", o artigo, tomando um tom roncante, apostrofava Cristo: - "Quem te diria a ti (bradava Agostinho), ó imortal Crucificado! quem te diria, quando do alto do Gólgota expiravas exangue, quem te diria que um dia, em teu nome, à tua sombra, seria expulso dum estabelecimento de caridade o doutor Godinho, - a alma mais pura, o talento mais robusto..." - E as virtudes do doutor Godinho voltavam, em passo de procissão, solenes e sublimadas, arrastando caudas de adjetivos nobres.

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pág. 144 (Capítulo 10)

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Capa do livro O Crime do Padre Amaro
Páginas: 478
Página atual: 144

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 10
Capítulo 3 19
Capítulo 4 45
Capítulo 5 59
Capítulo 6 77
Capítulo 7 93
Capítulo 8 111
Capítulo 9 123
Capítulo 10 142
Capítulo 11 182
Capítulo 12 204
Capítulo 13 217
Capítulo 14 236
Capítulo 15 272
Capítulo 16 290
Capítulo 17 313
Capítulo 18 319
Capítulo 19 344
Capítulo 20 361
Capítulo 21 376
Capítulo 22 395
Capítulo 23 425
Capítulo 24 455
Capítulo 25 469