- Homem, essa! exclamou Amaro.
- É para que você veja, disse Natário erguendo-se lívido. Que lhe parece? Você sabe que eu, quando falo das minhas sobrinhas, costumo dizer as duas rosas do meu canteiro. É um gracejo. Pois, senhores, até vem com isto! - E com um sorriso macilento, de fel: - Mas amanhã hei-de saber quem é! Olaré! Eu hei-de saber quem é!
- Deite ao desprezo, Sr. padre Natário, deite ao desprezo, disse a S. Joaneira pacificadora.
- Obrigado, minha senhora, acudiu Natário curvando-se com uma ironia rancorosa, obrigado! Cá recebi!
Mas a voz imperturbável do cônego retomara a leitura. Agora era o retrato dele, traçado com ódio:
"...Cônego bojudo e glutão, antigo caceteiro do Sr. D. Miguel, que foi expulso da freguesia de Ourém, outrora mestre de Moral num seminário e hoje mestre de imoralidade em Leiria..."
- Isso é infame! exclamou Amaro exaltado.
O cônego pousou o jornal, e com a voz pachorrenta:
- Você pensa que me dá isto cuidado? disse ele. Boa! Tenho que comer e que beber, graças a Deus! Deixar rosnar quem rosna!
- Não, mano, interrompeu a irmã, mas a gente sempre tem o seu bocadinho de brio!
- ora, mana! replicou o cônego Dias com um azedume de raiva concentrada. Ora, mana! ninguém lhe pede a sua opinião!
- Nem preciso que ma peçam, gritou ela empertigando-se. Sei-a dar muito bem quando quero e como quero. Se não tem vergonha, tenho-a eu!
- Então! então! disseram em roda, acalmando-a.
- Menos língua, mana, menos língua! disse o cônego fechando os seus óculos. Olhe, não lhe caiam os dentes postiços!
- Seu malcriado!
Ia falar, mas sufocou-se; e começou subitamente a soltar ais.
Recearam logo que lhe desse o flato; a S. Joaneira e a D. Joaquina Gansoso levaram-na para o quarto, embaixo, amparando-a, com palavras brandas:
- Estás doida! Por quem és, filha! Olha que escândalo! Nossa Senhora te valha!