Depois a grande amizade com o padre Silvério... Hão-de reparar que são ambos certos aí na Praça às Ave-Marias... E é negócio com a gente do doutor Godinho... O padre Silvério é o confessor da mulher do Godinho... Umas coisas pegam com as outras!
Era muito comentada, com efeito, a nova amizade do padre Natário com o padre Silvério. Havia cinco anos, tinha ocorrido na sacristia da Sé, entre os dois eclesiásticos, uma questão escandalosa: Natário correra até de guarda-chuva erguido para o padre Silvério, quando o bom cônego Sarmento, banhado em lágrimas, o reteve pela batina, gritando: "Oh colega, que é a perdição da religião! ". Desde então, Natário e Silvério não falavam - com desgosto de Silvério, um bonacheirão, duma obesidade hidrópica, que, segundo diziam as suas confessadas, "era todo afeição e perdão". Mas Natário, seco e pequeno, tinha tenacidade no rancor. Quando o Sr. chantre Valadares começou a governar o bispado, chamou-os, e, depois de lhes lembrar com eloquência a necessidade "de manter a paz na Igreja", de lhes recordar o exemplo tocante de Castor e Pólux, empurrou Natário com uma brandura grave para os braços do padre Silvério - que o teve um momento sepultado na vastidão do peito e do estômago, murmurando todo comovido:
- Todos somos irmãos, todos somos irmãos!
Mas Natário, cuja natureza dura e grosseira nunca perdia, como o papelão, as dobras que tomava, conservou com o padre Silvério um tom amuado; na Sé ou na rua, resvalando junto dele, com um jeito brusco do pescoço, rosnava apenas: "Sr. padre Silvério, às ordens!"
Havia porém duas semanas, uma tarde de chuva Natário fizera repentinamente uma visita ao padre Silvério - sob pretexto que "o pilhara ali uma pancada de água, e que se vinha recolher um instante".