Ele tem para as mulheres, como homem, paixões e órgãos; como confessor, a importância dum Deus. É evidente que há-de utilizar essa importância para satisfazer essas paixões; e que há de cobrir essa satisfação natural com as aparências e com os pretextos do serviço divino... É natural.
João Eduardo então, vendo-o abrir a porta, desvanecer-se a esperança que o trouxera ali, furioso, vergastando o ar com o chapéu:
- Canalha de padres! Foi raça que sempre detestei! Queria-a ver varrida da face da Terra, senhor doutor!
- Isso é outra tolice, disse o doutor, resignando-se a escutá-lo ainda, e parando à porta do quarto. Ouve lá. Tu crês em Deus? No Deus do Céu, no Deus que lá está no alto do Céu, e que é lá de cima o princípio de toda a justiça e de toda a verdade?
João Eduardo, surpreendido, disse:
- Eu creio, sim senhor.
- E no pecado original?
- Também...
- Na vida futura, na redenção, etc.?
- Fui educado nessas crenças...
- Então para que queres varrer os padres da face da Terra? Deves pelo contrário ainda achar que são poucos. És um liberal racionalista nos limites da Carta, ao que vejo... Mas se crês no Deus do Céu, que nos dirige lá de cima, e no pecado original, e na vida futura, precisas duma classe de sacerdotes que te expliquem a doutrina e a moral revelada de Deus, que te ajudem a purificar da mácula original e te preparem o teu lugar no Paraíso! Tu necessitas dos padres. E parece-me mesmo uma terrível falta de lógica que os desacredites pela imprensa...
João Eduardo, atônito, balbuciou:
- Mas vossa excelência, senhor doutor... Desculpe-me vossa excelência, mas...
- Dize, homem. Eu quê?
- Vossa excelência não precisa dos padres neste mundo...
- Nem no outro. Eu não preciso dos padres no mundo, porque não preciso do Deus do Céu. Isto quer dizer, meu rapaz, que tenho o meu Deus dentro de mim, isto é, o princípio que dirige as minhas ações e os meus juízos.